- Em uma única portaria, ANP lista as principais irregularidades com maior potencial de risco ao consumidor, encontradas em postos durante a fiscalização, e estabelece a interdição total – e não mais parcial – para todos os casos.
por Márcia Alves
Enfim, a revenda de combustíveis tem um motivo para acreditar em novos rumos para o setor. Entrou em vigor no dia 30 de agosto a Portaria nº 187 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que estabelece a aplicação de medida cautelar de interdição total para postos flagrados na prática de uma série de irregularidades, as principais e com maior potencial de risco ao consumidor, detectadas pelas operações de fiscalização nos últimos anos.
De acordo com o superintendente de Fiscalização da ANP, Carlos Orlando Silva, a interdição total de estabelecimentos infratores foi regra geral da agência durante os últimos dez anos. Mas, em março deste ano, a Diretoria Colegiada da ANP decidiu adotar como regra geral a interdição parcial e, apenas em situações especiais, a interdição total. “Após competentes estudos técnicos e parecer jurídico, as propostas de situações especiais foram referendadas na Portaria ANP nº 187”, explica Silva.
Na avaliação do diretor da ANP, a portaria é “positiva” tanto por restringir a aplicação de interdição total a irregularidades específicas, como por divulgá-las. “A publicidade dada ao assunto, inexistente no passado, permite aos agentes econômicos que tenham conhecimento prévio dos casos que estarão sujeitos a tal tipo de interdição”, frisa. Entre as quatro situações sujeitas à penalidade de interdição total, está a venda de combustíveis fora das especificações, realizada por postos reincidentes, que já tenham sido apenados em decisão administrativa definitiva da ANP nos últimos dois anos.
Até então, o máximo que poderia acontecer aos maus revendedores que já tinham em sua ficha outras autuações, mas ainda insistiam na venda combustível adulterado, era enfrentar novo processo administrativo e, enquanto isso, continuar lucrando com a prática ilegal. “ANP já havia adotado tolerância zero com esse tipo de irregularidade, mas o fiscal não tinha poder para interditar cautelarmente o posto sem antes instaurar processo administrativo. Agora, a portaria dá poder e legitimidade ao agente fiscal para fechar o posto”, diz Cláudia Carvalheiro, advogada do Sincopetro.
O diretor adjunto da Administração Tributária da Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo, Sidney Sanchez Di Simone, comemora a edição da portaria. “Sem dúvida alguma, é mais um importante instrumento para combater todas as irregularidades ainda existentes no setor de combustíveis”, diz. Ele destaca que a adoção de medida cautelar, como procedimento jurídico para a interdição total de postos, tem o objetivo de preservar o consumidor em função do alto grau de fraude apurada. Sanchez lembra a Lei do Perdimento, criada em São Paulo, que adota medidas do mesmo teor ao determinar a lacração de bombas e tanques, caso constatada a desconformidade do combustível.
Outra infração caracterizada pela ANP como “situação especial” e, portanto, prevista pela Portaria 187 é a de estabelecimentos que rompem o lacre instalado pela fiscalização, voltando a operar normalmente. Para casos desse tipo, que foram flagrados em postos paulistas pela operação de fiscalização, em diversas ocasiões, a nova norma da ANP também prevê a interdição total.
“A medida dificulta a prática do abre-fecha daquela parcela de revendedores que, confiando na impunidade, rompia o lacre quantas vezes fosse colocado e voltava a funcionar normalmente”, analisa o presidente do Sincopetro, José Alberto Paiva Gouveia. Ele destaca que a punição de interdição total para todas as irregularidades contempladas pela nova norma era uma antiga reivindicação do Sincopetro, que por muito tempo insistiu na necessidade de maior rigor da fiscalização. “Vejo que a ANP está em busca de novos rumos, com medidas que promoverão maior segurança e legalidade ao setor”, diz.
Na entrevista concedida à PO, o superintendente de Fiscalização da ANP esclareceu que “independentemente da aplicação de medida cautelar, se for configurada a infração, também será lavrado o auto de infração, que gerará processo administrativo e possíveis penalidades”. Entretanto, as medidas cautelares não são definitivas, ou seja, duram apenas enquanto existirem os motivos que levaram à interdição ou apreensão. “A autoridade competente da ANP determinará a desinterdição ou devolução dos bens apreendidos no prazo de 7 dias úteis a partir data dessa comprovação”, destaca Silva.
Adequação da norma
Um dos objetivos da nova portaria da ANP foi o de atualizar as regras regulatórias para acompanhar a evolução das fraudes no comércio de combustíveis. “Quando as normas de fiscalização foram elaboradas não existiam as fraudes do tipo que usam controle remoto, minitanque e outros. Por isso, era preciso atualizá-las, já que os fraudadores estão sempre um passo à frente”, analisa Cláudia Carvalheiro.
As práticas desonestas que fazem uso de tecnologias e dispositivos para fraudar bombas, enganar o consumidor e levar os fiscais a erro foram todas contempladas pela Portaria 187/13. O segundo artigo elenca duas mais recentes, como “os dispositivos remotos (nas bombas) que possibilitam a alteração do volume adquirido pelo consumidor” e, ainda, “a presença de dispositivo (em tanques) que induza a erro o agente de fiscalização quanto à qualidade”.
Ambas as irregularidades ganharam repercussão no início de 2012, quando foram denunciadas em um programa de televisão. Uma delas, batizada de “a fraude do controle remoto”, conhecida no mercado como “jumpers”, consiste na instalação de circuito eletrônico nas placas de bombas de combustíveis para acionamento por meio remoto. O mecanismo – ligado e desligado com simples apertar de botão – injetava menos combustível do que constava no painel da bomba.
Outra fraude que surpreendeu a fiscalização pela criatividade dos infratores foi a que ficou conhecida como “minitanque”. Em uma das operações, a força-tarefa de São Paulo descobriu um posto da capital que mantinha no subsolo um tanque clandestino adaptado para armazenar 400 mil litros de combustíveis. Dentro deste reservatório um mini tanque recebia a gasolina dentro dos padrões, usada quando o posto era fiscalizado, e o restante adulterado era vendido aos consumidores.
Nesses dois tipos de fraude, normalmente, a ANP interditava apenas a bomba ou tanque, que eram liberados tão logo o proprietário provasse que os equipamentos estavam adequados. Agora, com a nova norma, o posto inteiro será interditado. “Estas medidas são decorrentes do trabalho em campo, que apura fraudes, uso de substâncias não permitidas como o metanol ou solventes, ou desobediência por parte do agente econômico”, explica Sidney Sanchez.