Três empresas concentram 70% do setor e estão envolvidas em adulteração recorde de etanol com metanol
A concentração da distribuição de combustíveis no Brasil é um fato. Ao todo, em 2018, foram consumidos 44,1 bilhões de litros de gasolina, 54,8 bilhões de diesel e 13,6 bilhões de etanol hidratado em todo território nacional. Destes, 70% comercializados por apenas três gigantes do ramo: BR, Ipiranga e Raízen (Shell). Os números impressionantes, no entanto, não se refletem na confiabilidade que o consumidor paga e espera.
Um fato acontecido há mais de dois anos, que ainda não teve punição, expõe um setor ainda vulnerável. Em novembro de 2016, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) descobriu que as três companhias armazenavam etanol adulterado com metanol, produto altamente tóxico – o combustível era da Usina Canabrava, no norte fluminense. Na ocasião, foram apreendidos 16 milhões de litros. Até hoje nenhum dos envolvidos sofreu qualquer sanção.
A prática de misturar metanol no etanol hidratado se popularizou nos últimos anos – as sequelas após o contato com metanol são gravíssimas.
Tudo por questões tributárias. O metanol é um dos produtos cujos impostos de importação estão zerados desde o fim da década passada.
Dessa forma, misturar o produto tóxico com o etanol vendido na bomba torna o negócio muito mais vantajoso para quem produz e para quem vende. E por não alterar o comportamento do veículo, a adulteração consegue passar despercebida.
A linha de defesa, assim como o combustível adulterado, é compartilhada pelas três: declaram-se inocentes e alegam que a responsabilidade é da Canabrava, empresa que, além da adulteração, também é suspeita de fraude fiscal. Esse argumento, contudo, não condiz com a estrutura de laboratórios e controle de qualidade que essas distribuidoras têm e divulgam exaustivamente em diversas campanhas publicitárias.
Em algumas empresas, fontes informam que são feitas, no mínimo, três análises do combustível até chegar na bomba. O que deixa a suspeita de que ocorreram problemas nessa verificação. Milas Evangelista, consultor da FGV Energia, acredita que, levando em consideração os processo de qualidade que essas empresas deveriam ter, houve alguma falha.
“Com todo o renome que essas empresas têm e seus processos de qualidade de combustível, deveriam ter testado se o produto recebido estava conforme o acordado no contrato. Se isso não foi feito, está claro que houve algum imprevisto. Talvez os testes sejam feitos por amostras sorteadas e essas com o combustível contaminado não tenham sido verificadas. Isso varia de acordo com a empresa e é de conhecimento interno”, diz Evangelista.
A morosidade da ANP também chama a atenção e prejudica o consumidor. A assessoria de imprensa da agência responsável por regular o setor aponta os diversos recursos dos réus na Justiça para explicar a demora. Ainda segundo o órgão, foram aplicadas multas em primeira instância no total de R$ 8,5 milhões, mas “os agentes entraram com recursos administrativos que estão sob análise da ANP”.
Questionadas sobre possíveis falhas em seus controles, as três distribuidoras se posicionaram por nota oficial. Todas ressaltam que, à época da apreensão do combustível adulterado da Canabrava, não havia obrigatoriedade de realização de teste para identificar metanol. Tal medida só surgiu na Resolução nº 696, da ANP, de 2017.
A BR diz que “mantém o controle de qualidade de acordo com as exigências normativas, que detectou a origem da não-conformidade naquele fornecedor e determinou a suspensão da venda e a reposição do produto”.
A Ipiranga afirma que “reforça seu compromisso com a oferta de produtos de alta qualidade, preza para que não haja qualquer incômodo para seus consumidores e revendedores e ressalta que os produtos que comercializa em sua rede de postos estão em conformidade com as normas legais”.
A Raízen garante que passou a adotar exames para detectar metanol no álcool combustível. “Apesar de não existir norma legal em vigor determinando a realização de testes para identificação de metanol em produtos adquiridos de usinas de etanol, uma vez que estas empresas não comercializam o produto, após este evento, a empresa incluiu em sua rotina testes com esta finalidade. Esses testes se somam aos que sempre foram realizados e são estipulados por normas da ANP: de cor, aspecto, acidez, massa específica, teor de enxofre, teor alcoólico, pH e condutividade elétrica.”, garante a distribuidora, também em nota.
Fonte: odia.ig.com.br