Gasolina, etanol, diesel e gás são os únicos produtos vendidos no país em que o preço é cobrado com três dígitos após a vírgula
O sobe e desce no preço dos combustíveis nos postos já é rotina para os motoristas de todo o país. O que passa despercebido na maioria da vezes é o quarto – e misterioso – dígito do preço.
O sistema de cálculo do preço do combustível é uma incógnita. Afinal, por que gasolina, etanol, diesel e gás são cobrados com três dígitos após a vírgula, se nossa moeda só tem duas casas? Isso faz com que os combustíveis sejam os únicos produtos a seguir essa regra em todo o território nacional.
A prática é legal, pois a regulamentação para a terceira casa depois da vírgula está presente em uma portaria da ANP (Agência Nacional do Petróleo) criada ainda sob a vigência do Plano Real, em 1994. A portaria ainda prevê que o valor final não pode ser pago da mesma forma. Nesse caso, então, anula-se a última casa. Por exemplo: se o total na bomba somar R$ 120,187, o consumidor irá pagar R$ 120,18. Se o total fosse registrado com duas unidades após a vírgula, o valor seria arredondado para R$ 120,20.
Em nota, a ANP afirma que a principal razão para o sistema de cobrança está no ato de compra dos combustíveis pelos postos revendedores. Quando um revendedor faz a compra, as unidades de medida são diferentes, e manter as três casas decimais evita que os postos obtenham lucro em cima disso: “Quando o revendedor adquire os combustíveis, a negociação é feita em metros cúbicos (m³), enquanto a venda ao consumidor é feita em litros (l). Para evitar que os revendedores arredondem para cima o preço por litro, ficou estabelecida a obrigatoriedade da apresentação das três casas decimais”.
Se um posto de abastecimento cobra, por exemplo, R$ 3,599 pelo litro de combustível e tem movimento de 4 mil clientes por mês, que consomem em média 10 litros por dia, o posto fatura R$ 4.318,800. Se nas mesmas condições ele passar a cobrar apenas com duas casas, ou seja, R$ 3,59, ele deixaria de ganhar R$ 10 mil em um mês, faturando R$4.308.000.
De acordo com o levantamento de preços feito pela ANP, na cidade de São Paulo, os postos de combustíveis podem ter uma margem de lucro de até R$ 0,40 por litro de gasolina comum. Já para o etanol, o lucro é de R$ 0,27 por litro. O campeão é o estado do Acre, onde os postos chegam a lucrar até R$ 0,74 por litro da gasolina. Em segundo lugar vem a Bahia, com R$ 0,67. Já para o etanol, os postos no estado do Ceará têm a margem mais alta: podem lucrar em média R$ 0,54 por litro.
Para a ANP, manter a exigência das três casas decimais mesmo após a revogação dessa portaria, em 2013, foi uma decisão tomada a partir de pesquisas do próprio órgão que constataram que essa regra beneficiaria o consumidor.
Composição do preço dos combustíveis
Outra razão para o sistema está na complexidade em calcular o preço final devido aos muitos fatores que compõem o valor do combustível. Entre eles, os custos de produção, distribuição, revenda e impostos. Expressar o valor exato desses custos seria muito mais complicado com apenas duas casas decimais. Portanto, as três casas após a vírgula flexibilizam a possibilidade de expressar o valor mais próximo possível do valor final pago pelo consumidor.
José Alberto Paiva Gouveia, presidente do Sindicato do comércio varejista de derivados de petróleo do Estado de São Paulo (Sincopetro), conta que os combustíveis podem ser vendidos pelos distribuidores com até cinco casas decimais, e isso varia muito entre as companhias: “Um quarto dígito menor não passa de propaganda, e não é prejuízo para o consumidor, pois nove milésimos de centavo não é nada para ninguém, mas para um posto que vende cerca de 30 mil litros por mês, isso faz toda a diferença”, afirma.
Para ele, os postos não chegam a lucrar com esse sistema, pois podem comprar o combustível com quatro ou cinco casas decimais. Portanto, duas casas no valor final não recuperam o gasto.
Pesa no bolso?
Assim como o famoso cafezinho diário, o consumidor não se dá conta dos gastos totais que a casa decimal adicional causa no bolso. De fato, o impacto em um abastecimento não é muito grande, mas ao longo de um ano, por exemplo, o consumidor que colocar 20 litros no tanque por dia durante 30 dias do mês, com o preço do litro da gasolina a R$ 3,599, gastará um total de R$ 2.159,40.
Na mesma situação, se o combustível fosse comercializado com apenas duas casas, ou seja, por R$ 3,59, o motorista teria a despesa total de R$ 2.154,00 ao final do mês. Ou seja, R$ 5,40 mais barato. Em um ano então, ele estaria economizando cerca de R$ 65.
De acordo com o Procon SP, os direitos do consumidor não são afetados nesse caso, e não há histórico de reclamações do público sobre o assunto, afinal, a imposição está descrita em lei. Por isso, como órgão regulador dos direitos do consumidor, cabe ao Procon fiscalizar as obrigações que a ANP determina em sua portaria, assim como em todas as demais leis federais. Ou seja, investigar se os preços estão visíveis ao consumidor, se o valor cobrado é semelhante ao valor anunciado, se não há fraudes na bomba etc.
A competitividade entre os postos de abastecimento também explica a norma. Um terceiro dígito menor atrai mais consumidores e isso representa um lucro maior ao estabelecimento. No entanto, o Procon reforça que, mesmo cobrando valores acima da média, o posto pode não obter retorno, pois quanto mais barato, mais as pessoas passam a desconfiar da qualidade do produto.
Essa mesma teoria é confirmada por Gouveia. Ele afirma que cada posto tem a opção de colocar o preços que acha justo nos combustíveis, pois o mercado (procura e demanda) é o embasa esses valores. Entretanto, deve existir certo equilíbrio pois cabe ao consumidor escolher onde abastecer, e ele não irá optar por um litro muito caro e também não muito barato por desconfiança. Gouveia fiz ainda que a cobrança final feita em duas casas após a vírgula não é prejudicial ao consumidor.
Em agosto do ano passado, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo havia aprovado o projeto de lei que extinguia o terceiro dígito nos preços da gasolina, etanol e diesel. Se aprovado pelo então governador do Estado, Geraldo Alckmin, a lei vigoraria em todo o estado, mas o projeto foi vetado e a lei permanece a mesma.
O Procon SP ainda afirma que a única alternativa ao motorista é pesquisar a fazer comparações de preços: “Se o consumidor quer economizar, ele deve fazer pesquisa, e também ver quanto seu carro está consumindo. A economia pode não estar no preço da gasolina, mas pode vir através de vários fatores.”
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Fonte: Auto Esporte