O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou nesta quinta-feira resolução que estabelece diretrizes para que produtores de etanol hidratado possam realizar vendas diretas do biocombustível a postos.
A medida, que foi defendida em diversas ocasiões pelo presidente Jair Bolsonaro, foi avaliada em reunião extraordinária do CNPE, que reúne diversos representantes do governo e é presidido pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.
Com isso, a reguladora ANP deverá agora implementar as ações para permitir a comercialização direta do etanol, segundo nota do ministério.
“A possibilidade de suprimir um elo da cadeia de comercialização tem o potencial e promover o aumento da concorrência, que tende a beneficiar o consumidor“, acrescentou a pasta, em nota.
Caso implementada, a medida tem o potencial de impactar os negócios de distribuidoras de combustíveis, um setor formado por grandes companhias no Brasil, como BR Distribuidora , Raízen e Ipiranga.
Há quase um ano, ao aprovar medidas para fomentar a concorrência no mercado de combustíveis, o CNPE disse avaliar que seriam necessárias mudanças tributárias para permitir vendas diretas de etanol hidratado, uma vez que o PIS e o Cofins sobre o produto são recolhidos pelo produtor e pelo distribuidor.
Agora, o ministério disse que as diretrizes aprovadas pelo CNPE envolvem “isonomia concorrencial no aspecto tributário e preservação da arrecadação de tributos de alíquota específica (ad rem)”, sem detalhar.
Questionada sobre a medida, a União da Indústria de Cana-de-Açucar (Unica) disse que aguarda detalhes, mas ressaltou entender que há detalhes tributários a serem avaliados.
“Entendemos que a liberação da venda direta tem que ocorrer quando a questão tributária for equacionada. A concentração de impostos no produtor, conhecida como monofasia, não é boa para ninguém“, disse o diretor executivo da entidade, Eduardo Leão de Sousa.
“A venda direta com a manutenção da contribuição em duas etapas – seja por meio de dois regimes tributários, seja pela simplificação da criação de distribuidoras vinculadas aos produtores – nos parece o caminho com melhor resultado“, acrescentou ele, em nota.
A BR Distribuidora, que tem a Petrobras como principal acionista, disse que “o momento é de acompanhar a evolução do assunto junto a ANP“.
A empresa defendeu em nota “a manutenção de um ambiente concorrencial saudável” e a “neutralidade tributária“, além da importância de oferecer produtos de qualidade ao consumidor.
A resolução do CNPE sobre venda direta também aborda a comercialização do etanol com distribuidores e a isonomia na definição de padrões e especificações de qualidade do produto final para o consumidor, segundo o governo.
A agenda regulatória da ANP foi interrompida com a crise de saúde pública, mas há expectativa de retomada dos trabalhos no segundo semestre.
O diretor Executivo da Unica, Eduardo de Souza, contudo, criticou a decisão do CNPE por ainda não deixar claro como se dará a tributação sobre o setor no caso da venda direta.
“A concentração de impostos no produtor, conhecida como monofasia, não é boa para ninguém, nem para o produtor, nem para o consumidor, pois oneraria outros derivados de cana”, disse Sousa frisando que a Unica aguardará mais detalhes para aprofundar sua avaliação.
A Unica defende que seja definida uma solução com a manutenção da contribuição em duas etapas, “seja por meio de dois regimes tributários, seja pela simplificação da criação de distribuidoras vinculadas aos produtores”.
Já o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), presidente da frente parlamentar do setor sucroalcooleiro, destacou o fato de a resolução do CNPE ser “criteriosa”, por levar em conta a necessidade de garantir a isonomia tributária nos dois modelos de venda – com e sem distribuidora. Mas o parlamentar frisou que a regulamentação ainda deve envolver a edição de normas pela Receita Federal, além da esperada regulamentação da ANP.
“Hoje nós temos um processo em que há cobrança de PIS/Cofins para usinas e na distribuidora. Como não haverá mais para um dos modelos a cobrança do PIS/Cofins na distribuidora, não poderá ter diferença de tributação, então a Receita Federal precisa normatizar isso”, afirma Arnaldo Jardim.
“No caso da venda direta ela [a Receita] aumentará o PIS/Cofins na usina quando for vendido diretamente ou fará uma modificação no sistema atual cancelando aquilo que se recolhe na distribuição para recolher apenas na usina”, entende o deputado.
Nos últimos anos, Jardim foi um opositor na Câmara dos Deputados do PDC 978/2018, que visa liberar a venda direta por decreto legislativo. O texto não resolve o impasse tributário.
A venda direta é uma antiga bandeira de associações de produtores da região Nordeste, que ganhou força no Congresso com a greve dos caminhoneiros de 2018. Desde então, a liberação da venda de usinas para postos é defendida por parlamentares como uma proposta capaz de reduzir o preço final do etanol.
Entendendo a venda direta
A regulação do setor de combustíveis, na ANP, e a legislação tributária levam em consideração que a venda de etanol hidratado, obrigatoriamente, passa pelo elo da distribuição. Portanto, parte dos impostos são cobrados das usinas e parte, das distribuidoras. O controle de qualidade também é feito na distribuição, pela ANP. Essas são as barreiras imediatas para a venda direta.
No Congresso Nacional, parlamentares discutiam a mudança no mercado por meio de um PDC (proposta de decreto legislativo), que não tem força para alterar a legislação tributária, o que provocaria uma desorganização fiscal: se aprovado, o PDC excluiria artigos de resoluções da ANP que impedem a venda direta do biocombustível, permitindo a comercialização sem o pagamento dos impostos devidos, mas também sem alterar as regras de tributárias.
A solução na mesa tenta chegar um meio termo infralegal para a necessidade da monofasia tributária, isto é, cobrar todos os impostos devidos do produtor, mas sem criar uma tributação especial para o usineiro que opta pela venda direta — a convivência de dois regimes tributários ao mesmo tempo é inviável na visão da Receita Federal.
Em fevereiro deste ano, o diretor da ANP, Felipe Kury, explicou que a ideia é criar a figura do agente comercializador de etanol hidratado, uma empresa que poderia ser formalizada pelos usineiros que desejam vender diretamente o biocombustível e que também ficaria responsável por recolher os impostos devidos na etapa de distribuição.
Espera-se com essa solução manter os usineiros que não optem pela venda direta e as distribuidoras no regime fiscal vigente e, ao mesmo tempo, liberar a opção para os produtores interessados na alternativa, com a contrapartida de redução de exigências para criação desse agente comercializador.
“A ANP está flexibilizando a resolução para que haja a possibilidade de o produtor ser o agente comercializador (…) Hoje o produtor já poderia constituir uma distribuidora, porém os requisitos para uma distribuidora envolvem capital de R$ 4,5 milhões e estoques mínimos, uma exigência maior do que nessa figura [do agente comercializador]”, explicou Felipe Kury, na época.
Nesta linha, o CNPE determinou que a regulamentação contemple a “isonomia concorrencial no aspecto tributário” e a preservação da arrecadação, isto é, que as distribuidoras não sejam penalizadas com uma carga tributária maior no etanol hidratado do que a cobrada pelo usineiro que vender diretamente o produto.
A resolução do CNPE diz também que modalidade deve ser facultativa, coexistindo as diferentes formas de comercialização, inclusive quanto à qualidade dos combustíveis e a fiscalização.
A ANP estuda formalmente o assunto desde 2018, por meio de consultas públicas e analistas da agência concluíram que não há impedimento à venda direta do ponto de vista do controle de qualidade.
Etanol vai ficar mais barato?
Há estimativas de que a concentração das margens de produção e distribuição no produtor e aumento da concorrência entre usineiros e distribuidoras na oferta do combustível no mercado possa reduzir em até 20 centavos por litro os preços do etanol hidratado para o consumidor final.
Há também argumentos quanto a redução de custos logísticos, já que a usina poderia ter mais competitividade que distribuidoras para fornecer o produto na região onde ele é fabricado.
Críticos da proposta, contudo, afirmam que o efeito será nulo, ao menos nos maiores centros consumidores, notadamente em São Paulo, onde o mercado já está organizado de forma a preservar a relação entre usina, distribuição e posto, com pouca aderência para venda direta.
E há a relação com os preços da gasolina. O etanol hidratado concorre com a gasolina comum nos postos de combustíveis e, em geral, o litro do biocombustível passa a ser competitivo quando custa 70% ou menos do que a gasolina, então quando a gasolina fica mais cara, aumenta a margem para elevação dos preços do etanol.
BIODIESEL – Durante a reunião do CNPE, o ministério de Minas e Energia defendeu ainda que não fossem aprovadas no momento mudanças no cronograma de aumento gradual da mistura de biodiesel ao diesel.
O setor de biodiesel vinha pedindo antecipação da elevação do percentual mínimo de mistura para 13%, patamar previsto para março de 2021, como medida de apoio ao segmento em meio à crise gerada pelos impactos do coronavírus sobre a demanda por combustíveis.
A pasta de Minas e Energia, no entanto, avaliou que isso teria “potencial de pequeno aumento no preço do diesel ao consumidor” e apontou “incertezas” para justificar a decisão de manutenção das atuais datas.
PETRÓLEO – O CNPE também autorizou a Agência Nacional do Petróleo (ANP) a licitar no chamado regime de oferta permanente blocos de exploração de óleo e gás em praticamente quaisquer bacias terrestres ou marítimas, além de campos devolvidos ou em devolução.
Ficam excluídos da autorização apenas campos ou blocos na área do pré-sal, em áreas consideradas estratégicas ou na plataforma continental além de 200 milhas náuticas, bem como aqueles ativos já incluídos nas 17ª e 18ª rodadas da agência.
O CNPE ainda aprovou resolução que estabelece que a ANP deverá avaliar medidas para redução a até 5% dos royalties em campos concedidos a empresas de pequeno e médio porte.
“A resolução favorecerá a manutenção das empresas de pequeno e médio porte no setor de exploração e produção de petróleo e gás natural no país, tornando a atividade mais competitiva”, defendeu o Ministério de Minas e Energia.
Fonte: https://br.investing.com/
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