O mercado brasileiro de distribuição de combustíveis passou, entre 2014 e 2019, por um movimento de desconcentração, de acordo com estudo recente da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Apesar do avanço, o Brasil ainda possui grau expressivo de concentração e há dúvidas se as empresas menores conseguirão continuar a ganhar mercado nos próximos anos, mesmo com a entrada de investidores internacionais e a abertura do refino.
Embora novos agentes tenham desembarcado no Brasil, ainda não há um consenso sobre os rumos da distribuição. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) destaca, por exemplo, que o fim do monopólio no refino tende a trazer competição para toda a cadeia. Já as pequenas distribuidoras regionais, que vêm ampliando a participação, temem que a venda de refinarias da Petrobras para grandes distribuidoras como Ipiranga e Raízen gere uma verticalização de suas atividades. Irregularidades, como sonegações, também podem inibir investidores.
Para a ANP, o Brasil ainda pode ser classificado como um mercado de “alta concentração” ou de “concentração moderada”, a depender do indicador utilizado e do combustível em questão.
Os níveis mais altos de concentração estão nas vendas de diesel e os patamares mais moderados no etanol – justamente o segmento mais afetado por casos de irregularidades.
A agência utiliza dois indicadores diferentes para medir o grau de concentração, sendo um deles o CR4 – que mede a fatia das quatro maiores distribuidoras (BR, Ipiranga, Raízen e Alesat nas vendas de diesel e gasolina) em relação ao todo.
De 2014 para 2019, esse índice caiu de 74,2% para 67,45% na gasolina; de 64,7% para 59,4% no etanol; e de 82% para 74% no diesel.
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O presidente da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis (Abicom), Sergio Araujo, diz que essa desconcentração foi possível graças ao avanço das distribuidoras regionais.
Ele destaca que, desde que a Petrobras passou a trabalhar com uma política de preços atrelada ao mercado internacional (inclusive com prêmios altos, entre 2016 e 2017) houve uma janela de oportunidade para que importadores privados expandissem sua atuação no país, oferecendo a essas distribuidoras produtos mais competitivos, proporcionando ganho de mercado.
Entre os destaques, nesse sentido, segundo a ANP, estão a Atem’s e Equador (região Norte); Royal Fic e Taurus (Centro-Oeste); e Rodoil e a Ciapetro (Sul). Araujo, contudo, tem dúvidas sobre a sustentabilidade do avanço das companhias de menor porte.
Atualmente a Abicom considera que a estatal vem praticando “preços predatórios” sistematicamente desde 2020 e protocolou na sexta-feira um ofício no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alertando a autarquia. “As janelas para importadores privados estão fechadas. Se a Petrobras mantiver a conduta atual, com preços abaixo da paridade, isso prejudicará as distribuidoras regionais”, afirma Araujo.
Já a Petrobras esclareceu que os custos de importação variam de agente para agente e reforçou que a paridade de importação, as margens para remuneração e o nível de participação no mercado seguem como pilares de sua precificação. Segundo a estatal, a Abicom pretende um “aumento de preços que ‘proteja’ a atuação de agentes menos eficientes” no mercado.
A desconcentração, nos últimos anos, coincide também com a entrada de novos agentes no setor.
Desde 2018, estrearam no mercado brasileiro, por meio de aquisições de empresas regionais, PetroChina, Vitol e Total. Essas companhias ainda possuem parcelas pequenas do mercado (de cerca de 1% cada), mas têm um grande potencial de expansão – o que ajudaria a reduzir a concentração das atuais líderes. Um executivo de uma distribuidora afirma, sob a condição de anonimato, porém, que essas empresas “colocaram um pé no Brasil”, mas ainda mantêm investimentos em compasso de espera, no aguardo da definição da abertura do refino.
Segundo a fonte, enquanto não houver evolução da pauta tributária, para coibir os devedores contumazes, e a revisão do marco regulatório do setor pela ANP não se esgotar há um teto para o crescimento dos novos entrantes.
Distribuidoras regionais temem também que grandes companhias, como Ipiranga (Ultra) e Raízen, entrem no refino e verticalizem seus negócios, oferecendo preços mais vantajosos para empresas de seus próprios grupos.
Existe uma expectativa de que distribuidoras maiores, com demandas maiores, sejam capazes de negociar melhores condições de preços com os novos refinadores. Hoje, a Petrobras vende para todas as empresas pelo mesmo preço.
A Brasilcom, que representa 46 distribuidoras de menor porte, pediu ao Cade a suspensão temporária da venda das refinarias da Petrobras, até que sejam definidas regras de transição para garantir a concorrência no setor.
A associação alega que, originalmente, acreditava que a venda seria “um bom negócio”, mas que o governo tem sido incapaz de evitar eventuais monopólios privados. As regionais defendem que o mercado continue sem diferenciação de preços por um período de transição.
A Brasilcom acredita que a concorrência só aumentará quando novas refinarias e oleodutos forem construídos no país.
“Vai depender de como esse processo [de abertura] vai se desenrolar. Isso reforça a importância da atuação de órgãos como Cade e ANP. A abertura do refino não vai ser neutra: ou vai aumentar ou diminuir o grau de concentração”, comenta o pesquisador do Instituto de Energia da PUC-Rio, Edmar Almeida.
Para um executivo de uma grande distribuidora, o temor da Brasilcom é injustificado. A fonte lembra que o Cade vetou a venda de duas refinarias numa mesma região para uma mesma empresa.
“Mais verticalizado do que o mercado hoje é impossível”, afirma.
“[Com a quebra do monopólio no refino] espera-se a chegada de novos agentes, trazendo ainda mais dinamismo ao setor (…). Com novos agentes no refino, novas ofertas de infraestrutura e otimização da logística, a competição em toda a cadeia tende a aumentar ainda mais”, diz o IBP em nota.
A entidade também faz coro à necessidade de combate às irregularidades. Executivos do setor relatam que devedores contumazes têm desequilibrado a concorrência e levado empresas a abandonarem o negócio. A desconcentração apontada pela ANP precisa, nesse sentido, ser relativizada. Embora a participação das líderes de mercado tenha caído, o número de agentes autorizados no Brasil caiu de 205 em 2014 para 157 em 2019. A ANP atribui a queda a aquisições.
A ANP revela também que em algumas regiões do país a concentração se agravou, com destaque para o Norte.
Fonte: Valor