Apesar de ilegal, prática de colocar em evidência somente valores atrelados a programas de vantagens não é incomum
Imagine a seguinte situação: você vai a um posto de combustível para abastecer o carro, atraído pelo preço baixo anunciado na fachada do estabelecimento. Mas, na hora do pagamento, vem a surpresa — o valor com desconto só vale para clientes que pagam com o aplicativo do posto ou são participantes de programas de fidelidade.
Apesar de ilegal, a prática de colocar em evidência somente os preços atrelados a programas de vantagens não é tão incomum em alguns postos de combustíveis.
O diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Vitor Amaral, destacou em entrevista à CNN que a oferta de cashback ou de outros programas de fidelidade é permitida, mas frisou que o fornecedor do combustível deve destacar com a mesma importância para o cliente o valor original e o valor com desconto.
“O que nós precisamos, independente dessa autonomia do fornecedor, é que o consumidor tenha conhecimento, tenha uma informação muito clara. É uma tríade, de uma informação que seja clara, precisa e ostensiva. Eu não posso ter um cartaz que faz um anúncio chamando o consumidor para um valor menor e aquele valor menor exigir uma série de situações que vão trazer ao consumidor uma dificuldade, um impedimento de acesso a pagar o combustível”, afirmou.
Vitor explicou ainda que, uma vez que o cliente optar por aderir a um programa de fidelidade, ele deve efetivamente receber alguma vantagem em troca — seja desconto no pagamento, cashback ou programa de pontos.
“O consumidor não pode tomar como surpresa de que aquele valor que está anunciado no posto de combustível contemple apenas uma situação para um consumidor X ou Y, que não é o valor final do produto ofertado para o consumidor de modo geral. Qualquer diferenciação de preço que se estabeleça tem que estar muito clara”, acrescentou.
Segundo o diretor da Senacon, o não cumprimento das regras básicas de informação podem induzir o consumidor ao erro e configurar propaganda enganosa — práticas sujeitas a penalidades previstas no Código de Defesa do Consumidor.
“O Código traz uma série de penalidades, desde uma advertência, uma intervenção no estabelecimento ou até cassação de alvará. A gente fala em sanção geralmente associada à multa, mas a multa não é a única sanção aplicada ao fornecedor”, destacou.
Em nota enviada à CNN, o Procon-SP afirmou que o Decreto Federal 10.634/2021, que trata da divulgação de informações aos consumidores referentes aos preços dos combustíveis automotivos, prevê que quando houver concessão de descontos vinculados ao uso de aplicativos de fidelização pelos postos revendedores, deverão ser informados ao consumidor: o preço real, de forma destacada; o preço promocional vinculado ao uso do aplicativo de fidelização; o valor do desconto.
“A informação clara, verdadeira e ostensiva é um direito básico previsto pelo Código de Defesa do Consumidor: visualizar o preço real do combustível antes mesmo de entrar no posto, ou seja, é dever do fornecedor informar em destaque o preço real”, diz a nota.
“O posto de combustível pode oferecer aplicativos que dão descontos e vantagens aos seus clientes, desde que as informações sobre o funcionamento do programa sejam todas prestadas de forma clara e precisa; cabe ao consumidor avaliar se é de seu interesse aceitar a oferta”.
O consumidor que identificar alguma situação que considere uma infração aos seus direitos, pode registrar reclamação no site do Procon-SP.
Também em nota, a Associação Brasileira das Empresas de Equipamento e de Serviços para o Mercado de Combustíveis de Conveniência (Abieps) afirmou que o posto de combustível é um ponto de comércio que faz uso de estratégias de marketing para movimentar o negócio, assim como qualquer outro.
“Na cadeia de fornecimento do combustível, até que este chegue ao consumidor final, o revendedor dono do posto, é quem menos lucra, e muitas das vezes são empresas familiares”, diz a nota, assinada por Cristian Bazaga, diretor-presidente da associação.
A CNN também procurou a Shell e os proprietários do posto de combustível fotografado, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Fonte: CNN