A ANP informou nesta sexta-feira, 18, que decidiu suspender por dois meses, a partir de 1º de novembro, o programa que monitora a qualidade dos combustíveis no Brasil.

O motivo são os cortes orçamentários feitos pelo governo federal. Entidades do setor temem uma escalada de irregularidades.

Em comunicado, a agência disse que a previsão é de retomada do programa em janeiro, mas sem informar detalhes. Ofícios enviados pela reguladora a universidades integrantes do programa informam que o monitoramento deverá ser retomado em 2025 com um corte total de 25% das amostras.

Criado há cerca de 25 anos, o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) é a mais importante ferramenta para controle de qualidade dos combustíveis comercializados nos postos do país, como gasolina, diesel e etanol.

Assinado em 14 de outubro por entidades como Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Instituto Combustível Legal (ICL), Associação dos Importadores de Combustíveis (Abicom), entre outras, o ofício ressaltou ainda “a relevância do PMQC como ferramenta eficaz no combate às irregularidades”.

Como exemplo, o grupo de entidades afirmou no documento que empreendeu um trabalho para identificar a comercialização de diesel B com teor do biocombustível abaixo do exigido pela legislação e que, com base em informações fornecidas pelo programa, conseguiu apresentar a ANP e ao governo, em 12 de junho, montante significativo de não conformidade nas amostras, de aproximadamente 3 bilhões de litros, ou 5% de todo o diesel rodoviário.

“Após apresentação desse resultado, a ANP acolheu e integrou as informações pertinentes e atuou efetivamente na fiscalização”, afirmou o ofício. “Com isso, pode-se observar resultados expressivos no último mês. As amostras de combustíveis analisadas pelo programa ‘Cliente Misterioso’ do Instituto de Combustível Legal não apresentaram qualquer irregularidade na mistura de biodiesel no diesel, marcando um importante avanço no controle da qualidade”, acrescentou.

A ANP disse que suas ações de fiscalização no mercado de combustíveis continuarão normalmente em todo o país durante a suspensão do programa de monitoramento da qualidade.

“As amostras de combustíveis coletadas nessas ações serão analisadas pelo laboratório próprio da ANP, o Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas (CPT), localizado em Brasília”, afirmou.

A ANP ressaltou que, além do PMQC, as ações de fiscalização utilizam outros vetores de inteligência, como dados de movimentações de produtos, denúncias à ouvidoria da ANP e informações de outros órgãos públicos para realizar um planejamento assertivo, identificando locais com indícios de irregularidades e concentrando neles as ações.

Segundo a ANP, os contratos com os laboratórios do PMQC continuarão vigentes, apenas suspensos em novembro e dezembro. “Ao final de cada contrato, serão acrescidos dois meses, compensando a suspensão”, adicionou.

Suspensão do PMQC é um retrocesso perigoso no controle da qualidade de combustíveis

Manter o PMQC ativo é vital não apenas para a proteção dos consumidores, mas também para assegurar um mercado de combustíveis saudável e competitivo, escreve Aurélio Amaral

Aurélio Amaral é ex-diretor da  Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)
Aurélio Amaral é ex-diretor da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) | Foto: Divulgação

A recente suspensão do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) pela ANP, devido a cortes orçamentários, levanta sérias preocupações sobre o impacto no mercado de combustíveis.

Esse programa, criado com a colaboração de diversas entidades do setor — sindicatos, associações e distribuidoras —, tem sido fundamental para garantir a qualidade dos combustíveis e combater a adulteração no Brasil. Sua interrupção representa um risco significativo para as conquistas regulatórias e para a confiabilidade do mercado.

Desde sua implementação, o PMQC contribuiu para elevar o controle da qualidade dos combustíveis no Brasil a patamares comparáveis aos de mercados internacionais, fortalecendo a confiança do consumidor e a competitividade entre os agentes econômicos.

No entanto, a suspensão do programa coloca em risco esses avanços, e uma eventual proliferação de adulterações pode desencadear problemas crônicos que serão difíceis de reverter.

Retomar o controle após um período de desregulamentação seria como tentar “colocar o gênio da adulteração de volta na garrafa” — algo que pode se mostrar extremamente desafiador e custoso para o país.

Além disso, a interrupção do PMQC ameaça à integridade e a competitividade do mercado.

Sem um monitoramento eficaz, agentes mal-intencionados podem se beneficiar às custas daqueles que atuam de forma ética e em conformidade com as normas. Isso criaria uma concorrência desleal, impactando negativamente os pequenos operadores e prejudicando consumidores, que ficariam mais expostos à possibilidade de adquirir combustíveis de baixa qualidade.

Financiamento da ANP

A questão do financiamento do programa é central para sua continuidade. Transferir a responsabilidade financeira para os agentes econômicos, sem que isso resulte em um impacto significativo ao consumidor, é uma solução que já está em fase piloto pela ANP no Distrito Federal e em Goiás.

A ideia de dividir os custos com a iniciativa privada, embora inicialmente polêmica, já se mostrou viável e está sendo testada com resultados promissores. A carga financeira para garantir a execução do PMQC, conforme estudos da ANP, gera um impacto mínimo no preço final dos combustíveis.

Durante a discussão da resolução ANP 790, de 10 de junho de 2019, ficou claro que o acréscimo no preço seria quase imperceptível para os consumidores, com aumentos que chegam à terceira casa decimal para gasolina e diesel, e de R$0,01 a R$0,02 para o etanol, dependendo da região.

As lições aprendidas com o projeto piloto em andamento no Distrito Federal e em Goiás devem ser aproveitadas para garantir que o programa seja mantido em sua plenitude e integridade, evitando que ele fique refém das limitações fiscais do país.

A ANP, ao manter a supervisão sobre os laboratórios credenciados e realizar auditorias periódicas, assegura que o monitoramento continue imparcial e transparente, garantindo a confiança no mercado de combustíveis e evitando qualquer prejuízo à qualidade do produto comercializado.

A continuidade desse modelo de financiamento híbrido, com ajustes e refinamentos baseados nas experiências do piloto, pode ser a chave para dar sustentabilidade ao programa a longo prazo.

Manter o PMQC ativo é vital não apenas para a proteção dos consumidores, mas também para assegurar um mercado de combustíveis saudável e competitivo. O modelo de financiamento em fase de testes permite que o programa seja sustentado sem sobrecarregar os cofres públicos, oferecendo uma alternativa que assegura a continuidade do monitoramento sem comprometer a integridade fiscal do país.

É essencial que tanto os agentes econômicos quanto a sociedade participem ativamente da busca por soluções para manter o PMQC em funcionamento. A suspensão desse programa pode abrir caminho para um cenário de descontrole de qualidade que será custoso e difícil de remediar.

As lições extraídas do projeto piloto devem servir de base para a implementação de um modelo nacional sustentável, que permita manter os padrões de qualidade conquistados ao longo dos anos, garantindo a segurança e confiança de todos os envolvidos no setor de combustíveis.


Aurélio Amaral foi diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), é advogado e atual diretor de Relações Externas da Eneva.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.

 

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