Sensores detectam e monitoram contaminação de águas subterrâneasPesquisadores da UNICAMP desenvolvem equipamentos simples e baratos que indicam presença de hidrocarbonetos.

A contaminação do solo e das águas por combustíveis derivados de petróleo é uma preocupação crescente no Brasil e mais antiga nos Estados Unidos e Europa. A Agência de Proteção Ambiental norte-americana estima que existam cerca de 130 mil locais contaminados por vazamento de combustíveis dos tanques de armazenamento do país. Os combustíveis possuem compostos especialmente nocivos à saúde como o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos – hidrocarbonetos denominados BTex. Contaminando águas subterrâneas, esses compostos inviabilizam fontes alternativas de abastecimento e, quando ingeridos, dependendo da concentração e tempo de exposição, podem afetar o sistema nervoso central. O benzeno, o mais tóxico deles, já está associado a cânceres.

“No Brasil existem aproximadamente 31 mil postos de combustível, sendo que um número significativo deles foi construído na década de 1970. Como a média de vida útil dos tanques subterrâneos é de 25 anos, supõe-se que eles já estejam comprometidos”, afirma Kassio Gomes de Lima, mestrando do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. No Estado de São Paulo, o número de postos de combustível inseridos na listagem de áreas contaminadas, que era de 136 em maio de 2002, cresceu para 464 em outubro de 2003, segundo informa a Cetesb – Companhia de Tecnologia de Saneamento Básico, órgão estadual responsável pelo controle e prevenção da poluição. Por este levantamento, os postos respondem por 63% dos 727 casos registrados no Estado, sendo que entre os demais estão as contaminações por atividades comerciais e industriais, disposição de resíduos e acidentes ferroviários, rodoviários e em dutos.

Produtos inutilizam fontes alternativas

Orientado pelo professor Ivo Milton Raimundo Júnior, Kassio de Lima trabalha em sensores ópticos e detectores mais simples e baratos que permitam o monitoramento de águas em campo. Hoje, os processos são executados em laboratório e requerem equipamentos sofisticados e custosos como os de cromatografia gasosa. “Quem nos trouxe o problema de desenvolver um método simplificado para determinar a contaminação de águas com gasolina, álcool, diesel e outros derivados de petróleo foram as professoras Fernanda Pimentel e Valdinete Lins, da Universidade Federal de Pernambuco, que atuam em engenharia ambiental”, informa Raimundo Jr.

O pesquisador do IQ explica que Grupo de Instrumentação e Automação em Química Analítica, do qual participam os professores Celio Pasquini e Jarbas J. R. Rohwedder, coordena pela Unicamp o projeto “Instrumentação, Sensores e Aplicações da Espectrocopia no Infravermelho Próximo”, em parceria com a Universidade Estadual da Bahia (UNEB) e as federais da Paraíba (UFPB), Rio Grande do Norte (UFRN) e Pernambuco (UFPE). “O projeto faz parte do Procad (Programa Nacional de Cooperação Acadêmica), criado pela Capes para incentivar a pós-graduação no país.

Os sensores ópticos usuais para monitoramento de água são de fibras ópticas e se baseiam em ondas evanescentes. Ivo Raimundo Jr. ensina que a fibra óptica usada neste tipo de sensor possui um núcleo de quartzo e uma casca de silicona ou outro material polimérico. Colocada na água contaminada, essa casca absorve hidrocarbonetos como benzeno e tolueno. Uma ponta da fibra óptica é ligada na fonte de radiação infravermelha e, a outra ponta, num detector. “Se a casca está contaminada, o hidrocarboneto ali presente absorve a radiação infravermelha, devido à penetração da onda evanescente na casca, chegando ao detector com potência menor. Relaciona-se, então, a intensidade da radiação absorvida com a concentração de hidrocarboneto na água”, ilustra o professor.

Desvantagem – Uma desvantagem é que não se fabricam fibras ópticas prontas para este processo. As fibras comerciais trazem, além do núcleo e da casca, uma capa protetora que os pesquisadores precisam retirar manualmente e com cuidado, a fim de não danificar a silicona. “São necessários até 30 metros de fibra para alcançar o nível de detectabilidade apropriado. E, como o diâmetro da fibra não chega a meio milímetro, lidamos com um material extremamente frágil, que precisa ser fixado num suporte, que pode ser um cilindro de acrílico ou alumínio. É esta base espiral que vai dentro do frasco com a amostra de água”, acrescenta Raimundo Jr.

No âmbito do Procad, Jackson Albuquerque, mestrando da UFPE, pôde desenvolver a parte experimental de sua dissertação na Unicamp, propondo outro método de detecção dos BTex. A professora Valéria Yoshida, também do IQ e especialista em polímeros de silício, sugeriu vários tipos de silicona disponíveis comercialmente, que foram testadas até chegarmos ao material mais adequado. Foram moldados cilindros deste polímero, minúsculos como grãos de ervilha. Encaixado numa sonda mergulhada em água mantida sob agitação, este pequeno cilindro de silicona absorve hidrocarbonetos, permitindo a determinação de BTex em águas contaminadas. “Foi um excelente trabalho do Jackson, que está aceito para publicação. Mostrou-se uma boa alternativa de monitoramento, pois atingiu um limite de detecção inferior a 10 miligramas por litro. Mas nosso grupo ainda não estava satisfeito. Ocorre que a absorção dos compostos demora cerca de duas horas, tornando o procedimento inadequado para o monitoramento ambiental em campo”, observa Ivo Raimundo Jr.

Seqüência – A partir da pesquisa de Jackson Albuquerque, o mestrando Kassio de Lima conseguiu demonstrar que os minúsculos cilindros podem ser levados a campo e colocados em frascos com diferentes amostras de água. Quando chegam ao laboratório, os cilindros são imediatamente colocados na sonda para a medida. “Este procedimento oferece uma flexibilidade muito grande. Além disso, com alguns aperfeiçoamentos no processo de medida, já chegamos ao limite de detecção abaixo de 1 miligrama por litro, melhorando em cerca de dez vezes o valor obtido no trabalho anterior”, afirma o orientador da pesquisa.

Kassio de Lima pretende, agora, desenvolver um fotômetro portátil que possa ser usado no campo, usando como fonte de radiação diodos emissores de luz (semelhantes às pequenas luzes dos painéis de aparelhos eletrônicos), que emitem no infravermelho próximo. “A legislação está cada vez mais rigorosa em relação aos limites tanto para hidrocarbonetos quanto para metais e outros tipos de contaminantes presentes na água e no ar. O desenvolvimento de métodos de monitoramento alternativos, simples e baratos, é sempre bem-vindo. Embora o desenvolvimento do fotômetro esteja em fase inicial, já estamos finalizando a solicitação de patente relativa ao uso da fase sensora de silicona para a determinação de hidrocarbonetos, junto à Agência Inova da Unicamp”, adianta Ivo Raimundo Jr.

Os riscos à saúde

As principais fontes de contaminação do solo e das águas subterrâneas são os vazamentos em dutos e tanques de armazenamento subterrâneos de combustível, o uso de defensivos agrícolas, as atividades de mineração e o lançamento de esgotos. Os efeitos especialmente nocivos à saúde são atribuídos aos hidrocarbonetos monoaromáticos – benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos –, justamente os compostos mais solúveis dos combustíveis derivados de petróleo. No caso da gasolina derramada, mesmo que esta seja pouco solúvel, os chamados compostos BTex se dissolverão parcialmente, sendo os primeiros contaminantes a atingir o lençol freático.

A Portaria 1.469/2000, do Ministério da Saúde, estabelece os seguintes limites permitidos para os hidrocarbonetos em água potável: 5 microgramas por litro no caso do benzeno, 170 microgramas/l para o tolueno, 200 microgramas/l para o etilbenzeno e 300 microgramas/l para o xileno. De acordo com a literatura, os hidrocarbonetos afetam o sistema nervoso central, apresentando toxidade crônica mesmo em pequenas concentrações. O benzeno é comprovadamente carcinogênico, podendo causar leucemia. Em caso de ingestão ou inalação em altas concentrações, esses compostos podem causar a morte.

Fonte: https://www.unicamp.br/

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