A prática comercial de venda de combustíveis com discriminação de valores entre um posto “a” e “b” contratado com exclusividade de uma mesma bandeira, é conduta ilegal prevista no artigo 36, §3º, X, da Lei 12.529/2011.

A diferenciação ou discriminação, se amolda com perfeição ao preceito legal de defesa da concorrência como infração à ordem econômica, quando a distribuidora diferencia seus preços e condições sobre postos da sua bandeira fornecidos pela mesma base de distribuição.

A discriminação de preços também viola o preceito básico da função social do contrato, isto porque em última análise quem sofre as consequências de tal ato é a comunidade como um todo.

A discriminação de preços se adequa à norma de direito material, (artigo 36, §3º, X, da Lei 12.529/2011), per se, refletindo em impacto comercial e econômico que reflete não só no posto discriminado como também no consumidor final, o qual irá pagar mais caro por um produto da mesma qualidade.

Importante dizer ainda, que não passa de uma falácia a argumentação de algumas distribuidoras ao alegarem que a diferenciação de preços aos postos contratados, se justifica a partir de distinção e peculiaridade de cada posto. Destaque-se ainda que, acatando esta argumentação falaciosa, algumas decisões administrativas isoladas e matérias publicadas vem acatando tais argumentos, os quais não resistem ao mais frágil contra-argumento, vejamos: 

a) A um, porque o regramento basilar, sob o prisma do Princípio da Legalidade, estabelece que não cabe ao intérprete, ainda que regulamentador, estabelecer restrições ou expandir a interpretação adicional àquilo a que a lei não fez – ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus;

b) A dois, porque em atendimento ao princípio hermenêutico de que “não cabe ao intérprete limitar o alcance o comando normativo de lei, se essa não traz qualquer restrição expressa nesse sentido“;

c) A três, porque os órgãos da administração pública, CADE, ANP, IBAMA, PROCON, estão submetidos ao princípio da legalidade, e por isso, são obrigados a interpretar a lei em sua literalidade, não podendo estender ou restringir direitos, cabendo esta interpretação somente ao Poder Judiciário, vide Resp. 1091561/PR,.

d) A quatro, muito embora exista disciplina legal no sentido de que cabe ao plenário do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica (órgão interno do CADE) decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei, isto por si só não lhe dá um salvo conduto para expandir ou restringir a interpretação da norma, ou seja, não pode o CADE dizer o que a lei não disse.

e) A cinco, porque existe o princípio basilar da legalidade e da hermenêutica, onde não pode o intérprete restringir onde a lei não restringe ou excepcionar onde a lei não excepciona. Assim, o administrador público, está limitado aos balizamentos contidos na lei, sendo descabido imprimir interpretação extensiva ou restritivamente à norma, vide decisão do Superior Tribunal de justiça no AgRg no REsp 809.259/RJ.

f) A seis, porque a melhor doutrina, nas lições do Ministro do STF Carlos Maximiliano, ao discorrer sobre o brocardo jurídico, “onde a lei não distingue, não pode o intérprete distinguir”: “..não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas” (in “Hermenêutica e Aplicação do Direito”, 17ª ed., RJ: Forense, 1998, p. 247).

g) A sete, porque as decisões de órgãos administrativos originadas do CADE ou da ANP, não podem quebrar o raciocínio da antijuridicidade, de forma que uma conduta típica como por exemplo a discriminação de preços é necessariamente uma conduta ilícita, já que a lei não traz qualquer exceção.

h) A oito, porque se o artigo 36, § 3º, X da Lei Federal 12.529/2011 estabelece que é proibido a fornecedora discriminar adquirentes por meio da fixação diferenciada de preços, então este bem jurídico é tutelado por norma cogente, (tipicidade material), logo, não pode o órgão administrativo excluir a ilicitude da conduta da fornecedora, a partir de suas próprias decisões subjetivas, por afronta a lei e ao princípio da legalidade.

Enfim, não tem qualquer respaldo legal que os postos de gasolina que ostentam a mesma bandeira sejam tratados como agentes econômicos desiguais, pois, tal ato fere a lei e o princípio da função social do contrato, vejamos:

1º) Porque o posto contratado só consegue comprar daquela distribuidora contratante, por força do contrato de exclusividade, variável decisiva para a preservação daquele posto discriminado, cuja variável não é analisada pelos órgãos da defesa da concorrência. Ademais, a distribuidora subjuga a livre concorrência no momento em que fixa o seu preço de vendas ao seu contratado em seu portal de vendas on line, sem lhe dar qualquer condição de negociação, obrigando-o a comprar naquele preço ou ficar sem combustíveis em suas bombas;

2º) Porque a discriminação de centavos por litro pode desencadear a ruína deste posto contratado pela sua distribuidora monopolista. Exemplo: 1 posto que tem potencial de vendas de 500 mil litros mês, ao ser discriminado com 4 centavos por litro, estará pagando R$ 20.000,00 (vinte mil reais) por mês, acima do preço pago pelo seu concorrente da mesma bandeira;

3º) Porque se o posto repassa este diferencial ao consumidor, o resultado será prejuízo, pois, além de perder grande parte de sua receita por evasão dos seus clientes para o concorrente, também ferirá a função social do contrato, haja vista que ao repassar aquela diferença de 4 (quatro) centavos acima do valor de mercado, quem irá pagar esta diferença será toda a coletividade em benefício apenas e tão somente da distribuidora que receberá este valor pela prática do over price.

4º) Ademais, nem se invoque o princípio da isonomia, ou seja, o tratamento de forma desigual os desiguais pois o posto discriminado é contratado por exclusividade e é submetido ao monopólio de sua distribuidora exclusiva que o discrimina, tendo como escudo o contrato de exclusividade. Com isso, fixa o preço de venda em seu portal, não dando qualquer condição ao revendedor de negociar o preço de compra, ferindo letalmente inclusive o artigo 489 do Código Civil.

Assim, é necessário destacar que a discriminação de preços vista sob o ângulo da Lei 12.529/2011, interpretada pelo CADE deve ser restrita a sua literalidade, justamente porque não cabe ao administrado aplicara lei especifica que regula determinada matéria, invocando princípios ou valorações subjetivas.

Não se olvida a importância do CADE para estabilidade das condutas na Lei 12.529/2011, porém, é inegável também que as decisões do CADE ou de outros agentes públicos sejam delimitadas dentro do princípio da legalidade, sob pena de nulidade, por extrapolarem o este princípio.

Portanto, todos os atos da administração pública, ainda que discricionários, devem respeitar o princípio da legalidade, sob pena de serem considerados nulos pelo Poder judiciário que tem a última palavra sobre os atos praticados pela administração pública, por aplicação do artigo 5º, XXXV da Constituição Federal.

Dentro deste cenário, a discriminação de preços do posto contratado com exclusividade, que não tem opção de compra de outra distribuidora e o seu preço é fixado ao bel prazer pela distribuidora em seu portal de vendas, é absolutamente ilegal, por ferir de forma letal o artigo, 36, § 3º, X da Lei Federal 12.529/2011, em interpretação isolada ou sistemática com aos artigos 489 e 173 da Constituição Federal.

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: (…)

  • 3º As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica:

X – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;”

“Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das partes a fixação do preço.”

O art. 173, parágrafo 4º da Constituição Federal dispõe:  “A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”

Dentro deste arcabouço jurídico e interpretação sistemática da Lei antitruste, Código Civil e Constituição Federal, é absolutamente ilegal a distribuidora fixar o preço ao seu posto contratado em seu portal de vendas, sem lhe dar qualquer possibilidade de negociação, como bem decidiu o  Tribunal de Justiça do Paraná.

“(…) Atribuir valor diferenciado, em detrimento daquele que se encontra obrigado a adquirir um produto destinado à manutenção de sua atividade fim e com o qual se encontra umbilicalmente ligado por força contratual, com cláusula expressa de aquisição de uma quantidade elevada do produto fornecido até o final da avença, sem a devida motivação que respalde tal conduta, é ferir frontalmente a probidade e a boa-fé que deve estar presente nos contratos, frise-se, não só quando da sua celebração como também na sua execução, conforme estabelece o art. 422 do CC/2002, que abaixo se transcreve: Art. 422 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. Ante as provas carreadas e a efetiva demonstração da quebra do pactuado deve ser deferido o pedido de rescisão contratual formulado pelo Apelante, ante a postura adotada pela Apelada. (…) “(Apelação Cível nº 848.327-6- Participaram do julgamento, presidido pelo Desembargador Guilherme Luiz Gomes (com voto) e acompanhou o voto do Relator o Desembargador Luiz Antônio Barry Curitiba, Desembargador Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira. Relator)

Assim, é absolutamente ilegal a discriminação de preços entre os postos da mesma bandeira que retiram na mesma base, or ferir de forma letal a lei antitruste e a função social dos contratos. 

Por outro prisma, tal ato ilícito atinge sobremaneira não só o posto discriminado como também toda a coletividade, que por via reflexa é quem paga pelo preço cobrado acima do valor de mercado, tendo como única beneficiada a distribuidora discriminadora.

Saiba mais sobre o Autor

O Advogado Antonio Fidelis é  colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos. 

Sócio proprietário da Fidelis & Faustino Advogados Associados juntamente com seu filho Advogado Guilherme Faustino Fidelis OAB-PR-53532 e OAB-SP- OAB/SP 360.025, e sua esposa Advogada Sonia Regina Faustino – OAB-PR-8410. O seu escritório está localizado em Londrina-Pr., porém, em razão da tecnologia, processos eletrônicos e virtual, atua em todo o Brasil.  

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Professor, Sargento da Reserva do Exército, trabalhou por 15 anos na Shell atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 prestar serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná- Paranapetro. 

O seu Staff é especializado em direito empresarial, direito administrativo: CADE-ANP-PROCON. Ambiental: IBAMA e órgãos do meio ambiente. Contratos: Holdings, Falências, Recuperação Judicial, Revisionais, Renovatórias e toda a área de direito empresarial, especializado em Postos Revendedores de Combustíveis.

Obs: Atende em todo o Brasil e faz reuniões virtuais pelo sistema zoom, que pode ser marcada pelo fone: 43- 3341-2550 ou pelo telefone:  43-98424-2655 ou 43-9918-7388 ou ainda pelo e-mail [email protected]

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Advogado com atuação em direito contratual, com enfoque em contratos envolvendo Postos de Combustíveis, sendo que, no contencioso, atua, sobretudo, em Renovatórias, Revisionais; Despejo; Retomada e Rescisões contratuais.

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