Uma decisão judicial proferida pelo Juiz de Direito Fernando Bueno da Graça da cidade de Cianorte Paraná, afastou a aplicação de uma multa contratual de aproximadamente R$ 9,8 milhões imposta a por uma distribuidora contra um posto revendedor de combustíveis.

O caso envolvia a cláusula contratual que previa multa de 5% sobre a quantidade de produtos não adquiridos.

Motivação da Decisão

O magistrado entendeu que não havia comprovação inequívoca de que o descumprimento contratual pela revendedora tivesse causado um prejuízo de tal monta à distribuidora. Ele destacou que o combustível não adquirido poderia ter sido comercializado com outros revendedores, eliminando, assim, qualquer dano efetivo à empresa distribuidora.

“A multa contratual se mostrou desproporcional e abusiva, favorecendo excessivamente a distribuidora. Trata-se de um encargo manifestamente excessivo, o que configura enriquecimento ilícito”, afirmou o juiz em sua decisão.

Aplicação do Código Civil

A decisão foi fundamentada no artigo 413 do Código Civil, que permite a redução equitativa de cláusulas penais que se revelem excessivas ou que não guardem proporcionalidade com o prejuízo efetivo. Segundo o magistrado, é dever do juiz aplicar esse princípio de forma oficiosa, sempre que necessário para equilibrar as relações contratuais.

“O atual Código Civil privilegia a função social do contrato, a boa-fé objetiva e o equilíbrio econômico entre as partes, acima da rigidez do princípio pacta sunt servanda”, ressaltou o juiz. Ele destacou ainda que a redução da multa não deve ser uma operação matemática, mas sim orientada pela equidade e pelas peculiaridades do caso concreto.

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Afastamento da Multa

“A imposição de tal multa resultaria em enriquecimento sem causa da distribuidora, algo que não pode ser admitido pelo ordenamento jurídico brasileiro”, pontuou.

Rescisão Contratual

Além de afastar a multa, a decisão declarou a rescisão contratual entre as partes, com marco inicial no ajuizamento da ação.

Precedentes e Doutrina

A decisão cita precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que consolidaram o entendimento de que cláusulas penais podem e devem ser revistas judicialmente em casos de evidente excesso. Além disso, referências doutrinárias foram utilizadas para embasar a aplicação da equidade no julgamento, reforçando que o juiz deve agir como intérprete atento às peculiaridades de cada caso.

Impactos da Decisão

A sentença estabelece um importante precedente para disputas contratuais envolvendo multas abusivas em contratos de fornecimento de combustíveis.

A postura do magistrado demonstra a aplicação rigorosa de princípios como a função social do contrato e o equilíbrio econômico, especialmente em relações entre empresas. Não cabe mais recurso.

Para fins de argumentação, caso se entenda que a multa é devida, torna-se evidente que ela não pode exceder o valor da obrigação principal. A obrigação principal, por sua vez, deve ser limitada ao percentual do lucro líquido que a distribuidora obteria com a venda do combustível não adquirido, sob pena de afronta ao artigo 412 do Código Civil Brasileiro e violação ao artigo 884 do mesmo diploma legal, configurando enriquecimento sem causa.

Permitir que a distribuidora tenha mais lucro com a multa do que com o cumprimento do contrato seria uma situação absurda e contrária à lógica contratual, especialmente considerando que o lucro líquido das três maiores distribuidoras privadas do país variou entre 0,6% e 1,6% nos últimos dois anos.

Nesse contexto, qualquer multa que ultrapasse esse percentual estaria desproporcional à obrigação principal, violando os princípios de equilíbrio e proporcionalidade. Além disso, o § 1º, inciso I, da Lei nº 9.249/1995 presume que o lucro líquido de um posto revendedor de combustíveis equivale a 1,6% de sua receita.

Sabendo que a maioria dos postos opera sob o regime de lucro real, é razoável concluir que eles frequentemente trabalham com margens inferiores a 1,6%. Caso essas empresas tivessem margens superiores, optariam pelo regime de lucro presumido.

Assim, é completamente ilógico e incoerente cobrar uma multa que exceda esse percentual, pois tal medida ameaçaria a viabilidade econômica do posto levando-o à ruína.

Antonio Fidelis. Advogado OAB/19759 


AUTOR

ANTONIO FIDELIS 

Advogado atuante em todo o território brasileiro e sócio-proprietário no escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados. Especializado em Direito Empresarial, notadamente nas áreas de estruturação de holdings, falências e recuperação judicial e contratos; Direito Bancário; Direito Administrativo (CADE – ANP – PROCON – IBAMA); Direito Civil, especialmente nas áreas de contratos, revisionais e renovatórias. Especializado em postos revendedores de combustíveis. É colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos.

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor. Trabalhou por 15 anos no setor de distribuição de combustíveis, atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 presta serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná (Paranapetro).


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Advogado com atuação em direito contratual, com enfoque em contratos envolvendo Postos de Combustíveis, sendo que, no contencioso, atua, sobretudo, em Renovatórias, Revisionais; Despejo; Retomada e Rescisões contratuais.

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