Tribunais têm readequado o valor das multas milionárias aplicadas a postos de gasolina, mesmo após o término do processo de conhecimento.

Essas multas, oriundas dos contratos entre postos e distribuidoras de combustíveis, são frequentemente tão elevadas que, se mantidas em seu valor integral, poderiam levar os postos à falência.

As multas estipuladas nesse tipo de contrato variam entre 2% e 12%, porém, são calculadas com base na receita do volume de vendas não adquirido pelo posto, o que resulta em valores exorbitantes.

A situação é ainda mais crítica considerando que, o § 1º do artigo 1º da Lei 9.249/2005, limita a 1,6% o lucro líquido dos postos. Assim, multas mínimas de 2% podem consumir todo o lucro dos postos, e valores maiores, como 5%, 8%, 10% ou 12%, como é comum, são insustentáveis.

A discrepância é acentuada quando se observa que, em 2023, as margens líquidas das três maiores distribuidoras do país foram de 0,8%, 1,0% e 1,1% (https://infograficos.valor.globo.com/valor1000/rankings/ranking-das-1000-maiores/2023).

Isso revela uma distorção econômica e jurídica significativa: o valor da multa ultrapassa o montante que a distribuidora obteria com a venda dos combustíveis aos postos contratados.

Assim, a cobrança da multa tornou-se mais lucrativa para as distribuidoras do que a venda do combustível que não foi adquirido pelos postos.

Importante destacar ainda que o combustível que não foi vendido ao posto não foi desperdiçado, pois não são produtos perecíveis e por óbvio a distribuidora vendeu esses combustíveis a outros postos, portanto não se visualiza prejuízo.

Para corrigir essas distorções, a reforma do Código trouxe o artigo 413 que aplicado de forma sistemática com os artigos 412 e 884 inseriu o princípio da equidade que é o ideal de justiça. O artigo 412 proíbe que o valor da multa exceda o montante da obrigação principal, que, no contexto dos contratos, é o lucro líquido que a distribuidora teria com a venda do combustível não adquirido.

O artigo 884, por sua vez, refuta o enriquecimento sem justa causa, que se refere ao valor da multa que ultrapassa esse lucro líquido que a distribuidora teria com a venda dos combustíveis, garantindo que as penalidades não resultem em ganhos injustos para as distribuidoras. Assim, o legislador procurou assegurar uma aplicação equitativa das penalidades, alinhada ao princípio da equidade, que exige um equilíbrio justo entre as partes envolvidas.

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Em 23 de abril de 2024, o Superior Tribunal de Justiça reformou uma decisão que havia reduzido uma multa com base em critérios matemáticos. O acórdão em questão foi reformado porque, conforme estabelecido pelo artigo 413 do Código Civil de 2002, a aplicação de critérios matemáticos rígidos, como os previstos no artigo 924 do Código Civil de 1916, foi abolido para que essas multas sejam apreciadas pelo juiz aplicando-se o princípio da equidade e não da proporcionalidade matemática como era previsto no artigo 924 do código de 1916 revogado.

Esta decisão emblemática reforça que os juízes devem avaliar e adequar as multas de acordo com o ideal de Justiça, considerando as circunstâncias específicas de cada caso e evitando a aplicação de fórmulas matemáticas que invariavelmente resultam em injustiças.

 “(…) Conforme dito anteriormente, o art. 413 do Código Civil confere ao Poder Judiciário o dever de diminuição da cláusula penal, quando do adimplemento parcial da obrigação, como norma de ordem pública obrigatória, sendo um dever do juiz e um direito do devedor, com base nos princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. Nesse contexto, verifica-se que, realmente, deve-se aplicar o critério da redução judicial equitativa da cláusula penal pactuada.

Contudo, a Corte de origem não levou em conta todas as nuances para a redução equitativa da multa compensatória, visto que utilizou apenas a proporcionalidade do tempo de cumprimento do contrato. Logo, mostra-se de rigor o provimento do recurso especial, no ponto.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão agravada, e, em novo exame, dar parcial provimento ao recurso especial, a fim de cassar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos à origem, para uma nova análise das razões de apelação, quanto à redução da cláusula penal, considerando o período entre a quebra do contrato, em 17/09/2013, até a data contratualmente prevista para o término da avença, em 10/12/2015, bem como a avaliação pormenorizadas das peculiaridades do caso concreto, para a redução equitativa da multa contratual, ante o adimplemento parcial da obrigação.” (g.n) A QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, em sessão virtual de 16/04/2024 a 22/04 /2024, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Raul Araújo. Brasília, 23 de abril de 2024. Nesse contexto, os tribunais brasileiros, vêm aplicando o artigo 413 do Código Civil mesmo em liquidação de sentença pela interpretação teleológica e sistemática com os artigos 412, 422 e 884 do mesmo código. “Valor da multa a ser calculado em liquidação de sentença. Eventual excesso da penalidade poderá ser verificado depois do cálculo realizado, resguardada a aplicação do art. 413 do CC. Sentença reformada em parte. Sucumbência carreada aos réus. Recurso parcialmente provido.” (TJSP; Apelação Cível 1087068-06.2016.8.26.0100; Relator (a): Francisco Occhiuto Júnior.

Antonio Fidelis – Advogado- OAB/PR 19759


AUTOR

ANTONIO FIDELIS 

Advogado atuante em todo o território brasileiro e sócio-proprietário no escritório Fidelis & Faustino Advogados Associados. Especializado em Direito Empresarial, notadamente nas áreas de estruturação de holdings, falências e recuperação judicial e contratos; Direito Bancário; Direito Administrativo (CADE – ANP – PROCON – IBAMA); Direito Civil, especialmente nas áreas de contratos, revisionais e renovatórias. Especializado em postos revendedores de combustíveis. É colunista do Blog do Portal e Academia Brasil Postos.

Foi Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil e Professor. Trabalhou por 15 anos no setor de distribuição de combustíveis, atendendo postos revendedores e grandes indústrias. Desde o ano 2000 presta serviços advocatícios para os postos revendedores filiados ao Sindicato dos Postos Revendedores do Paraná (Paranapetro).


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Advogado com atuação em direito contratual, com enfoque em contratos envolvendo Postos de Combustíveis, sendo que, no contencioso, atua, sobretudo, em Renovatórias, Revisionais; Despejo; Retomada e Rescisões contratuais.

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