Na última matéria da série ‘O mercado irregular nas estradas’, investigamos como o diesel tem sido alvo de fraudadores.
Produtores e revendedores comentam a qualidade do produto, bem como as medidas para garantir a mistura obrigatória do biodiesel
Essencial para a preservação do meio ambiente, o biodiesel é um produto misturado ao óleo diesel, por determinação da lei, para diminuir a emissão de poluentes no ar. Feito de matéria orgânica de origem vegetal, ou animal, pode ser utilizado em motores movidos a combustão interna e sua fabricação, a partir de matérias como soja, mamona e sebo bovino, faz dele um combustível menos poluente e renovável.
Com a pandemia e a diminuição do ritmo de produção em diferentes setores econômicos, a produção do biodiesel ficou ameaçada, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que diminuiu as quantidades obrigatórias de sua mistura ao diesel. Em agosto, os 12% habituais foram reduzidos para 10% e, em outubro, foi permitido um percentual de mistura de 11%. Contudo, os valores altos da venda do biodiesel e o consequente encarecimento do óleo diesel foram objeto de muita discussão em 2020.
Fiscalização e adulteração
Dentre as 870 amostras de diesel atestadas com não conformidade durante o ano de 2020 pela ANP, 325 tiveram como causa da não conformidade o teor de biodiesel, o que representa 37,4%.
A adulteração pode vir até do comércio marítimo, de acordo com uma fonte ouvida pelo Instituto Combustível Legal, que não quis se identificar. Ela afirma que o comércio clandestino de diesel acontece com frequência em estados que possuem portos.
“O navio aporta com alguns milhares de litros e faz uma entrega no porto. Então, o diesel da manutenção da viagem, ou de sobras, é vendido. As pessoas pegam esse diesel para reprocessar e vendem com até 30% a menos que o valor do combustível vendido no mercado”, relata.
Gilberto Pose, engenheiro de desenvolvimento de combustíveis, chama atenção para os riscos do uso de diesel marítimo em veículos automotivos. Além de ter um teor de enxofre muito mais alto que o combustível para caminhões, ele sobrecarrega o funcionamento do motor.
“O ganho financeiro que, de imediato, parece positivo, a médio prazo se torna negativo: ter que investir em consertar motor, trocar catalisador, porque o catalisador vai embora rapidinho, por estar recebendo sobrecarga de contaminantes”, alerta o engenheiro.
O navio aporta com alguns milhares de litros e faz uma entrega no porto. Então, o diesel da manutenção da viagem, ou de sobras, é vendido. As pessoas pegam esse diesel para reprocessar e vendem com até 30% a menos que o valor do combustível vendido no mercado
Em outubro passado, o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Lojas de Conveniência no Estado de Pernambuco (Sindicombustíveis-PE) divulgou uma nota apontando o salto no valor cobrado pelo litro de biodiesel de R$ 2,7130, em maio, para R$ 5,5806, em outubro. “Este Sindicato deseja deixar claro para os consumidores que o preço do diesel puro custa na refinaria R$ 1,9952/litro (sem o ICMS)”, dizia o comunicado.
Alfredo Pinheiro Ramos, presidente do sindicato, afirma que o crime organizado “vem assumindo posições em postos de combustíveis” e que o consumidor deve desconfiar dos locais com grande diferença de preço em relação aos estabelecimentos mais conhecidos, pois podem ser lugares de sonegação, adulteração, ou lavagem de dinheiro.
O Sindicombustíveis-PE chegou a se reunir com o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, para pedir atenção especial à qualidade do biodiesel. Revendedores reclamam da presença de bactérias e alto teor de água.
Carlos Guimarães, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados do Petróleo do Estado de Minas Gerais (Minaspetro), diz que muitos postos, principalmente urbanos, estão parando de vender diesel, “em função desse problema de qualidade”.
Ele defende que a mistura do biodiesel seja de até 10%, pois “qualquer coisa acima” disso comprometeria a qualidade final. Para o representante do Minaspetro, uma alternativa melhor seria o “diesel verde”, produzido a partir de gorduras de origem vegetal e animal.
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Produtores de biodiesel defendem aumento gradual da mistura
Por outro lado, os produtores de biodiesel defendem o aumento gradual da mistura, como já tem ocorrido nos últimos anos. Julio Cesar Minelli, diretor superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), afirma que o país já conseguiria atender a uma exigência de 18% na mistura.
“As exigências de controle de qualidade e qualificação dos laboratórios que certificam o biodiesel seguem os mais altos padrões, sem paralelo nos demais combustíveis e biocombustíveis comercializados. Os produtores garantem, assim, a qualidade do produto que sai da usina, mas, por outro lado, é muito importante certificar toda a cadeia para que o biodiesel não seja considerado responsável por eventuais contaminações que possam ocorrer na sequência”, pontua o representante da Aprobio.
Segundo ele, a ANP possui um sistema que avalia periodicamente a consistência entre os volumes de diesel fóssil e biodiesel adquiridos, mas há dúvidas se o sistema atual utilizado pela agência “tem condição de apurar esse nível de desvio e se a frequência adotada é adequada”. “Não há dados concretos que comprovem determinadas condutas e se a não conformidade mais frequente no monitoramento é justamente o teor de biodiesel”, acrescenta Minelli.
Conhecendo o biodiesel
- O biodiesel é um combustível produzido a partir de matérias vegetais, como soja, mamona, babaçu, girassol e amendoim; ou animais, como sebo bovino, suíno ou de aves;
- Pode substituir o diesel mineral, sendo utilizado parcialmente em motores de caminhões, ônibus e pick-ups;
- É uma fonte de energia não tóxica e não agride o meio ambiente;
- No Brasil, a ANP determina que o diesel vendido seja composto de 12% de biodiesel como medida para reduzir a poluição ambiental e o aquecimento global.
Uso obrigatório para diminuir a poluição do ar
Mas por que o biodiesel é tão importante? De acordo com Gilberto Pose, a presença desse composto em veículos como caminhões e ônibus é “saudável” e “tem uma contribuição muito boa para o meio ambiente”. Ele destaca os resultados de uma pesquisa divulgada em 2015 pela Embrapa, mostrando que o biodiesel poderia reduzir em 70% a emissão de gases do efeito estufa. Na época, a mistura obrigatória ainda era quase metade da atual.
No Brasil, os motores com sistema Euro 5 têm mecanismos que monitoram a presença do biodiesel no tanque e ajudam a controlar a emissão de poluentes. Eles foram adotados em 2012, como parte das políticas ambientais do país. “Você tem dois sensores: um antes do catalisador e outro após. Eles medem o diferencial da quantidade de poluentes no gás de escape e mandam informação para o sistema eletrônico”, explica Pose.
Pose lembra que é muito mais comum que veículos antigos movidos a diesel, em comparação com os que rodam com álcool, ou gasolina, continuem a circular nas ruas. São caminhões e ônibus com 20 anos de uso, ou até mais.
“Os motores mais antigos, sem essa tecnologia toda, vão soltar pelo escapamento maior quantidade de poluentes, porque o biodiesel não está lá dentro, ou está na quantidade menor que a especificada por lei. E isso afeta a poluição dos grandes centros e a poluição atmosférica como um todo”, explica o engenheiro.
Segundo o especialista, a falta ou diminuição do biodiesel sobrecarrega o sistema dos veículos. “Quando você tira o biodiesel, a carga de poluentes aumenta. Esses sensores vão ler que aumentou e vão fazer o sistema trabalhar mais intensamente. Vai ter que injetar mais ureia, ou recircular o gás em maior volume para poder sair no escapamento a mesma qualidade que sairia se o biodiesel estivesse presente na quantidade especificada por lei”, alerta.
“Se o diesel que está sendo utilizado, na sua versão pura, tiver um baixo índice de lubricidade, a falta do biodiesel pode causar desgastes internos no sistema de combustível, na bomba injetora, nos bicos injetores. É prejudicial ao motor”, ele ressalta.
Os motores mais antigos, sem essa tecnologia toda, vão soltar pelo escapamento maior quantidade de poluentes, porque o biodiesel não está lá dentro, ou está na quantidade menor que a especificada por lei. E isso afeta a poluição dos grandes centros e a poluição atmosférica como um todo
A olho nu, em geral, é difícil atestar a qualidade do diesel. Isso é uma tarefa para os laboratórios de testagem. Mas Pose explica que o diesel marítimo tem cor de chá mate, mais acastanhada. O diesel S10 é amarelo e o S500, mais avermelhado.
Fonte: Instituto Combustível Legal
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