A ampliação da quantidade de biodiesel misturada ao diesel consumido pelos brasileiros vem causando cada vez mais problemas ao sistema de transporte do país.

Com percentuais além dos 10% de mistura, as transportadoras relatam menor potência nos motores, maior necessidade de manutenção de peças e de limpeza, além de aumento do consumo de combustível em seus veículos de transporte de carga e de passageiros.

Desde março deste ano, a quantidade de biocombustível misturada ao produto fóssil alcançou o percentual de 14%, muito superior ao de outros países do mundo.

Se esse percentual chegar a 20%, o país pode ter um custo de R$ 20 bilhões a mais ao setor de transporte.

“Do ponto de vista de representatividade, temos um posicionamento relevante. Conhecemos o insumo que consumimos. Por isso, a nossa reivindicação considera pleitos que garantam equidade nas mudanças da mistura e façam valer o investimento para todos os setores que fazem uso do combustível e não apenas para os produtores de biodiesel”, enfatiza o presidente do Sistema Transporte, Vander Costa.

Para a CNT (Confederação Nacional dos Transportes), é essencial condicionar o acréscimo de biodiesel no diesel a testes e ensaios representativos, como forma de aprimorar o percentual da mistura. Dos cerca de sete bilhões de litros que são produzidos ao ano no país, 82% são consumidos pelos transportadores rodoviários.

Em 2008, o percentual de mistura começou em 2% e evoluiu a 7% até 2018. A partir de então, esse percentual foi subindo até chegar aos 14% este ano, mas sem que fossem feitos os testes adequados.

Em 2021, com o 10% de mistura, a Sondagem CNT sobre o Biodiesel Brasileiro apontou que 60,3% dos transportadores perceberam problemas relacionados à mistura, com impactos na operação que levam a consequências socioambientais.

Houve, por exemplo, relatos de falhas de sistemas eletrônicos de injeção (77,1%) e aumento da frequência de trocas de filtros (82,7%) e peças automotivas. Outro efeito colateral apontado por 48,4% das empresas entrevistadas foi o aumento do consumo de combustível e emissão de poluentes, devido à ineficiência energética do produto.

Estudo produzido pela UnB (Universidade de Brasília) indicou que gasta-se 15% a mais de combustível para percorrer a mesma rota com veículos abastecidos com a mistura, além da maior emissão de gases que provocam efeito estufa, como o CO2. A investigação do Departamento de Engenharia da UnB mediu a performance de dois caminhões, um Ford Cargo 815 (fase P5) e um Mercedes-Benz Accelo 815 (fase P7).

Quando abastecidos com diesel B20 (20% de biodiesel na mistura), em comparação com o B7 (7% de biodiesel na mistura), os motores dos veículos sofreram perda de potência de até 10% sob a mesma rotação.

R$ 20 bilhões em prejuízo com o B20

Na frota nacional circulante do transporte rodoviário de cargas, esse aumento percentual resultaria em três bilhões de litros de diesel por ano consumidos a mais, gerando um impacto financeiro de mais de R$ 20 bilhões e emitindo extras 8,78 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Os problemas já são sentidos no dia a dia das operações de transportes no país. A empresa paulista Sambaíba fez o teste com o B15, interessada em se alinhar com a transição energética e em busca de mitigar as emissões de CO2, e acabou chegando a conclusões preocupantes.

Após seis meses de testes na empresa, que tem 17% da frota da cidade, a constatação foi de que os carros perderam força. Passageiros reclamaram das panes constantes dos veículos e atrasos no transporte urbano. A despesa com limpeza de tanques de armazenamento e abastecimento aumentou, de acordo com relato do diretor da Sambaíba, Marcos Araújo.

Maior necessidade de troca de filtros

Além disso, quando a mistura de biodiesel no diesel passava dos 10%, constatou-se a presença de borra em tanques, filtros e outras peças automotivas, levando ao aumento de custos.

A necessidade de limpezas nos tanques da empresa passou de seis para a cada três meses. Os filtros dos veículos que eram trocados a cada 30 mil quilômetros rodados passaram a ser trocados a cada cinco mil quilômetros, devido ao acúmulo de borra, segundo o diretor.

Em 2023, quando o teor de biodiesel no diesel estava em 13%, a Auto Viação Urubupungá, de São Paulo, também contabilizou prejuízos. O gerente de manutenção da empresa, Isaias Corinto mencionou que a durabilidade dos filtros das centrais de filtragem da empresa caiu de três para um mês.

Eduardo Falabella, professor da Escola de Química da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), explica que houve uma aceleração do teor do biodiesel que tem limitações técnicas inerentes às suas propriedades físico-químicas. Nos últimos cinco anos, o percentual subiu mais que nos 10 anos anteriores. Segundo ele, teores elevados de mistura podem acarretar graves problemas de eficiência energética, bem como outros contratempos de ordem mecânica, ambiental e de segurança a veículos de ciclo diesel.

Congelamento em locais frios

Além da mistura, o processo de produção de biodiesel brasileiro tem outro problema, que é a heterogeneidade. Há várias fontes de produção, como sebo, soja, óleos de algodão, canola, milho, palmiste, palma e resíduos de óleo (fritura e gordura animal).

Essas fontes têm características químicas diferentes e isso compromete a pureza das propriedades do produto e aumenta o risco de contaminação, o que leva a outro dos graves problemas apresentados pelos altos percentuais de biodiesel. Em temperaturas baixas, o combustível tende a cristalizar.

Em 2021, durante a época de inverno e com a mistura de 13%, houve relatos de que, em Santa Catarina e Paraná, caminhões pararam repentinamente na pista. A pane se dava com a solidificação do biodiesel e a parada instantânea do caminhão na via.

Problemas em outros setores

Os problemas não se encerram no setor de transportes, prejudicando outras cadeias que lidam com o diesel. Proprietários de postos de abastecimento registraram entupimentos na bomba injetora que abastecem os veículos.

Donos de máquinas agrícolas movidas a diesel também relatam a formação de borras por conta da qualidade do diesel que recebe o biodiesel, assim como as instituições que fazem uso de geradores movido ao combustível (hospitais, por exemplo).

Em outros países do mundo, os percentuais de mistura de biodiesel têm ficado entre 2% e 7%. A União Europeia adota o B7 (7% de mistura), o Japão, a Argentina e a Índia o B5 (5% de mistura) e no Canadá e EUA os estados variam entre 2% e 5%.

A preocupação do setor de transportes é com a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei 4.516 (apensado ao PL 528/2020). Conhecido também como “Combustível do Futuro”, a proposta prevê o aumento até 2030 da mistura de biodiesel para 20% (1% a mais ao ano).

Condicionamento a testes de viabilidade

A atuação da CNT conseguiu condicionar o aumento do teor do biodiesel no diesel a testes de viabilidade técnica. O PL encontra-se atualmente sob análise do Senado Federal. Na avaliação da Confederação, é necessário ainda considerar o aprimoramento das especificações do biodiesel nacional e implementar medidas de controle de qualidade.

É necessário ainda evoluir a inserção do HVO (óleo vegetal hidrotratado) na matriz energética nacional, conhecido como diesel verde. Biodiesel de primeira geração, também de origem renovável, ele não gera efeitos colaterais nos veículos do ciclo diesel, por ser quimicamente compatível ao diesel fóssil. Ele reduz em 64% as emissões de gases do efeito estufa se comparado ao diesel B7. No entanto, a proposta legislativa indica uma necessidade de uso de apenas 3% de HVO até o ano de 2037.

A CNT busca, junto aos congressistas, manter o texto mais justo para o setor. No âmbito do governo federal, a Confederação tem relatado os problemas aos representantes de ministérios, agências reguladoras e instituições com assento no CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), órgão que dá as diretrizes sobre a mistura.

Autor/Veículo: Agência Infra

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