A congruência das agências reguladoras com os órgãos de defesa da concorrência marca uma nova fase no setor econômico brasileiro, desde que haja decisões mais técnicas e menos interferência política.
A entrada em vigor da Lei das Agências Reguladoras e da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, marcou uma nova era no setor empresarial e para todo o desenvolvimento econômico brasileiro.
Apesar das normas disciplinarem questões distintas – uma, norma de direito privado, e outra, norma de direito público – elas são congruentes e frutos de um único objetivo: o fortalecimento do setor econômico nacional e uma nova imagem do Brasil para o mundo.
Por mais que as citadas leis tenham entrado em vigor há pouco mais de um ano, os efeitos práticos são pouco a pouco sentidos no setor econômico – permita-me incluir o setor empresarial aqui.
As agências reguladoras surgiram no Brasil por volta da década de 90, em razão da premente necessidade de uma regulação em alguns mercados. Cada agência foi criada a partir da sua própria lei, e, até então, não havia uma lei disciplinando a tomada de decisão das agências de modo uniforme. A ausência de uma diretriz geral, fez com que muitas decisões das agências fossem tomadas com base em aspectos políticos.
Com a edição das leis 13.847/2019 e 13.848/2019, o Brasil seguiu a recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a fim de criar diretrizes na regulação do setor econômico, com vistas a consagração da Declaração da Liberdade Econômica.
Chega a ser curioso, mas as citadas leis apenas reproduzem aquilo que já está previsto em nossa Constituição Federal de 1988, no que tange a livre iniciativa e a livre concorrência. Por outro lado, a medida é compreensível, já que visa a concretude de tais princípios, dando ênfase a nova postura brasileira em relação ao mundo: um país que valoriza o setor econômico e que caminha para um novo patamar de desenvolvimento. Isso reforça a empreitada do Brasil de entrar na OCDE.
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Com isso, as duas leis trazem em seu texto a utilização obrigatória da Análise de Impacto Regulatório (AIR), que é um instrumento mundial de gestão e implementação de políticas públicas. Um padrão de boas práticas exigido pela OCDE.
A AIR é um instrumento criado nos Estados Unidos da América com a finalidade de se avaliar os futuros efeitos decorrentes do ato normativo expedido pela Agência Reguladora, para, assim, assegurar uma melhor tomada de decisão.
O setor regulatório no Brasil é recente e necessita de aprimoramento. Há diversas edições de atos normativos, expedidos pelos agentes reguladores que prejudicam o mercado e até mesmo os consumidores finais, porquanto muitas das decisões são eivadas de caráter político.
A título de exemplo, podemos citar a resolução 41/20131 da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que através do artigo 25, § 4º e o art. 32 da resolução 58/2014, interfere nas relações particulares a fim de proibir que um posto revendedor de combustíveis vinculado à uma marca adquira o combustível de uma distribuidora de outra marca.
A norma criou a “fidelidade à bandeira/marca” e, por via reflexa, criou uma reserva de mercado – prática anticoncorrencial2.
As distribuidoras bandeiradas (aquelas que ostentam uma marca) podem comercializar combustíveis para qualquer posto revendedor (com ou sem marca), assumindo uma posição dominante no mercado, já as demais distribuidoras – que compõe a maioria no mercado – só podem comercializar combustíveis para os postos que optaram por não ostentar uma marca de uma distribuidora.
Agora pergunta-se: qual o impacto social, financeiro e econômico desse ato normativo?
O Ministério da Justiça em atenção aos preceitos constitucionais deu parecer para que o ato normativo da ANP, neste ponto, fosse revogado, e aduziu na nota técnica 25/2019 que: “que o aumento da concorrência pode estimular preços mais baixos sem prejuízo à qualidade do combustível, que permanecerá fiscalizada pela ANP”.
Veja-se, a regulação do mercado está intimamente ligada às práticas de concorrência e abertura de mercado, tanto que a própria Lei das Agências Reguladoras, em seu artigo 25, dispõe que as agências reguladoras devem cooperar com os órgãos de defesa da concorrência e atuar conjuntamente.3
Causa verdadeiro espanto que um ato normativo de um agente regulador crie uma prática anticoncorrencial e, ao invés de proteger o consumidor, traga prejuízos a ele, já que a reserva de mercado pode criar espaços para preços abusivos, formação de monopólios e oligopólios. Há diversos outros exemplos de tomadas de decisões, convertidas em atos normativos, que prejudicam o mercado ao invés de protegê-lo e incentivá-lo.
Antes da edição das citadas leis, as agências reguladoras possuíam o Guia de AIR, mas a sua aplicação era de caráter facultativo. Por ser dispensável, a grande maioria das agências não utilizavam.
As decisões das agências reguladoras foram, em muitos casos, manifestações políticas revestidas de atos normativos. Agora, com a necessidade de se criar uma diretriz técnica, como um agente regulador deve ser, a AIR passa ser obrigatória para todas as Agências Reguladoras, regulamentada pelo decreto 10.411/2019, de modo que, qualquer ato normativo da administração pública direta, autárquica e fundacional deverá ser precedido da análise de impacto econômico, social e financeiro, e isso reforça o mercado que não ficará – ao menos espera-se – à mercê dos atos normativos que possam impactar negativamente no desempenho da atividade empresarial, nem mesmo os consumidores finais, que são os principais prejudicados.
Em suma, a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica, a Lei das Agências Reguladoras e a adoção da AIR vêm para evitar a tomada de decisões que possam causar impactos negativos no mercado, resguardar uma atuação mais técnica das agências, e para que, se veja na prática os preceitos constitucionais sendo aplicados, vivenciando um mercado livre para a sua iniciativa, concorrência e desenvolvimento.
1 Acessado em 19/10/2020: Clique aqui.
2 “A livre concorrência parte da ideia de garantir aos agentes econômicos o direito de exercer seu poder econômico na busca por clientes no mercado. Ele visa à concretização da utópica concorrência perfeita, onde a lei da oferta e da procura determina preços dos produtos e serviços, atraindo os consumidores de forma igualitária entre os concorrentes.” FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do Antitruste. p.65.
3 “Art. 25. Com vistas à promoção da concorrência e à eficácia na implementação da legislação de defesa da concorrência nos mercados regulados, as agências reguladoras e os órgãos de defesa da concorrência devem atuar em estreita cooperação, privilegiando a troca de experiências.”
Escrito por : Matheus Cunha
Fonte: https://migalhas.uol.com.br/
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