O mercado de distribuição e revenda de produtos derivados de petróleo e álcool combustível, (1) no Brasil, é verticalizado. A verticalização impõe a cada agente econômico (refino, distribuição, transporte e revenda) atuações definidas, delimitadas e distintas, de modo a viabilizar o funcionamento do sistema nacional de abastecimento. Importa dizer, por exemplo, que a distribuidora de derivados de petróleo e álcool combustível não pode atuar no segmento da revenda destes produtos ao consumidor final. (2)
 
Diante as afirmativas acima feitas, indaga-se: como as Distribuidoras exibem suas marcas nos Postos de Combustíveis? A indagação formulada não apresenta resposta única. É preciso compreender as complexas relações jurídicas existentes entre Distribuidora e Revendedor.
 
As relações jurídicas são das mais variadas ordens, a saber:
 
a). locação de imóvel próprio para Posto de Combustíveis, de propriedade da Distribuidora, ao Revendedor, celebrado por prazo indeterminado, com pacto adjeto de outros vínculos obrigacionais;
 
b).compra e venda mercantil de produtos derivados de petróleo e álcool combustível;
 
c). comodato simples de equipamentos;
 
d). comodato modal de equipamentos;
 
e). uso de marca;
 
f). propaganda e publicidade;
 
g). franchising (franquia empresarial);
 
h). comissão mercantil;
 
i). locação e sublocação de imóvel (em construção ou não) próprio para Posto de combustíveis, de propriedade de terceiro, locados à Distribuidora e sublocado ao Revendedor, respectivamente;
 
j). financiamento para capital de giro ou construção do Posto Revendedor;
 
l). mútuo de dinheiro, com pacto adjeto de hipoteca e/ou fiança etc.
 
Ressalte-se que vários são os institutos mercantis utilizados no mercado, inclusive entrelaçados ou vinculados, ou, ainda, de forma mista, cujas avenças celebradas, muitas das vezes, imprimem dificuldades ao intérprete na identificação da natureza jurídica frente à complexidade das relações entabuladas entre as partes.
 
 
Neste artigo, no universo das relações jurídicas existentes, apreciaremos, exclusivamente, o primeiro item no elenco oferecido, isto é, o Contrato de Locação de Imóvel de Posto de Combustível, de propriedade da Distribuidora, firmado com prazo indeterminado, tendo como locatário — o Revendedor dos produtos derivados de petróleo, álcool combustível e demais fontes de energia disponibilizadas ao consumidor final.
 
É usual neste segmento de mercado, a celebração de Contrato de Locação de Posto Revendedor, (3) através do qual a Distribuidora (proprietária) loca-o ao Revendedor.
 
Referida avença, embora denominada de locação, não tem única finalidade de locar o imóvel à exploração da atividade de revenda. Antes, a rigor, é contrato de bandeira, (4) em que o Revendedor obriga-se a revender e exibir, com exclusividade e sem concorrência, produtos da marca da Distribuidora.
 
Na linha da execução/cumprimento da obrigação contratada, com tais características, afigura-se, de certa forma, inconstitucional, eis que inibe a competição, ferindo de morte os princípios da livre iniciativa e livre concorrência. (5)
 
Retomando o assunto, impende dizer que mencionada avença (de locação de Posto Revendedor) tem natureza atípica e complexa, porquanto, a um só tempo, possui elementos de comodatos simples e modal; características de franchising (franquia empresarial); traços de propaganda e publicidade; vinculação à compra e venda mercantil, entre outros.
 
Contudo, indiscutível que a locação em questão é mercantil, quer pelos aspectos extrínsecos (forma), quer pelos intrínsecos (conteúdo). O pacto locatício merece proteção da Lei de Luvas (antigo Decreto 24.150/34, revogado pela atual Lei do Inquilinato – Lei 8.245/91).
 
Não obstante a revogação da chamada Lei de Luvas (de inspiração francesa), a Lei 8.245/91, no artigo 51, manteve os requisitos à configuração da locação não residencial, com finalidade comercial ou empresarial, reconhecendo, assim, o fundo de comércio (ou fundo de empresa ou ainda fundo de negócio – na evolução doutrinária do conceito clássico de fundo de comércio) em favor do locatário e do sublocatário.
 
Matéria já pacificada nos tribunais pátrios é reconhecimento da atípica e complexa relação jurídica de locação celebrada entre Distribuidoras e Revendedores de Combustíveis, com prazo de vigência determinado ou indeterminado.
 
Por óbvio que as Distribuidoras – responsáveis pelas elaboradoras dos contratos de adesão – não têm interesse no reconhecimento do fundo de comércio em favor dos Revendedores. Prova disso é que estipulam a vigência da locação por prazo indeterminado, de modo a inviabilizar o preenchimento aos requisitos do artigo 51 da Lei 8.245/91, na tentativa de impedir à configuração do fundo de comércio em favor dos Revendedores.
 
Contudo, felizmente, a mais atualizada jurisprudência pátria vem se atendo à natureza complexa ou sui generis do contrato em exame e reconhecendo que, nesses casos, deve-se verificar outros elementos componentes, a saber: a atividade eminentemente empresarial empreendida pelos Revendedores (locatário ou sublocatário, dependendo do contrato); os investimentos realizados; a dedicação ao negócio; a exclusividade na revenda de produtos da marca da distribuidora; a clientela angariada e formada; a tomada de empréstimo e respectivo pagamento do crédito, como fim de investimentos ou formação de capital de giro; a contribuição para o fundo de propaganda e publicidade etc.
Induvidoso, pois, que no imóvel do Posto Revendedor existe fundo de comércio ou de empresa ou de negócio, ainda quando o contrato de locação for firmado por prazo indeterminado. O questionamento que surge a partir daí é: A QUEM PERTENCE O FUNDO DE COMÉRCIO OU DE EMPRESA? A RESPOSTA MERECE MELHOR REFLEXÃO!
 
Em princípio, algumas são as possibilidades de análises e respostas:
 
a). distribuidora e revendedor são condôminos;
b). ambos têm titularidade concorrente;
c). a titularidade é exclusiva da distribuidora, posto que o Posto Revendedor exibe sua marca e o revendedor não preenche rigorosamente todos os requisitos indicados na Lei do Inquilinato;
d). atitularidade é exclusiva do revendedor que, embora não preencha todos os requisitos, mas concorre diretamente para o sucesso do empreendimento e corre, de forma isolada, o risco no exercício da atividade da revenda. Em outras palavras, no caso de pactos locatícios firmados no segmento de revenda de combustíveis – de natureza complexa/atípica e adesiva – a melhor jurisprudência vem ampliando o conceito de fundo de comércio da revogada Lei de Luvas e previsto na atual Lei 8.245/91 para reconhecer que a locação é um dentre os vários institutos existentes e encartados e vinculados ao pacto denominado locatício e, em sendo a atividade de revenda de combustíveis essencialmente empresarial, não se deve restringir à configuração do fundo de comércio ao preenchimento de todos os requisitos indicados na Lei do Inquilinato.
 
Trata-se, pois, do chamado fundo de negócio ou fundo de empresa. Os Revendedores, exclusivamente, têm direito sobre tais fundos. No entanto, as Distribuidoras resistem reconhecê-los, eis que tem de compor perdas e danos ou viabilizar a retenção do imóvel em favor dos Revendedores até que ocorra a devida indenização, na forma mais ampla autorizada pela legislação.
 
Como dito anteriormente, cuida a hipótese em análise de locação sui generis — que não é ssencial e puramente locação — mas verdadeiro entrelaçamento de institutos urídicomercantis, os quais devem ser considerados, conjugando-se, assim, todo o complexo da elação jurídica entre as partes, situação especial que autoriza não restringir à configuração do fundo de comércio às hipóteses do art. 51 da Lei do Inquilinato.
 
Tem-se, então, que não se deve restringir à configuração do fundo de comércio ante a complexidade e atipicidade da relação jurídica mercantil entre as partes. Nesta trilha, a doutrina e a jurisprudência vêm ampliando o clássico conceito de fundo de comércio, relativizando o rigor da inspiração francesa do fundo de boutique ao garantir a proteção da Lei de Luvas, mesmo para as hipóteses de não preenchimento de todos os requisitos legais.
 
Graças a visão contemporânea acerca do ente social – empresa – hodiernamente, o conceito de fundo de comércio evoluiu para fundo de empresa ou de negócio, reservando-se ao seu titular direito à renovatória da locação ou a devida e justa indenização.
 
É importante destacar, de início, que comercialistas de escol vêm pregando incisivamente a necessidade de desvinculação do nosso sistema normativo privado da teoria dos atos de comércio, do Código de França de 1807, para se aproximar definitivamente do sistema italiano (DA TEORIA DA EMPRESA).
 
A tendência, cada vez mais presente, é do estabelecimento de regime geral da disciplina privada da atividade econômica. Prova disso é o projeto de Código Civil, em tramitação no Congresso Nacional que acata a orientação italiana.
Nesta linha de idéias, vale transcrever o pensamento do Professor Fábio Ulhôa Coelho: “Na doutrina brasileira, diversos autores (com destaque para Sylvio Marcondes, Rubens Requião e Waldírio Bulgarelli) já se preocuparam em transpor para o centro do direito comercial a figura da empresa, antecipando-se, na medida do possível, às transformações legislativas. Tomando-se por assente que o direito brasileiro encontra-se em seu processo de transição, muito mais próximo do sistema italiano do que do francês, penso que a tecnologia jurídica pode e deve já liberar-se totalmente dos conceitos próprios deste último, isto é, da teoria dos atos de comércio.” (6)
 
Acatando tal orientação, a jurisprudência pátria vem decidindo no sentido de introduzir a teoria da empresa em nosso direito comercial para, no caso específico, ampliar o conceito de fundo de comércio criado pela Lei de Luvas, transformando-o no chamado fundo de empresa ou fundo de negócio, muito mais abrangente. Confira-se: “AÇÃO DE DESPEJO – LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL – PRAZO INDETERMINADO – DENÚNCIA VAZIA – FUNDO DE COMÉRCIO – EVOLUÇÃO DO CONCEITO – FUNDO DE EMPRESA.
 
Na locação não residencial, regida pelo art. 1.209 do Código Civil, permite-se ao locador a denúncia da locação, se não mais lhe convém dar continuidade ao vínculo locativo desde que precedida de notificação onde se fixará prazo para desocupação, que, desobedecido, ensejará esta espécie de retomada.
 
Em se tratando, contudo, de um contrato sui generis com peculiaridades próprias, dada a finalidade da locação – revenda a varejo de combustível e outros derivados de petróleo, o que caracteriza a atividade mercantil, há de se reconhecer o direito de indenização pelo fundo de comércio não nos termos da chamada “Lei de Luvas”, mas dentro da moderna interpretação que lhe vem dando a doutrina e a jurisprudência, levando-se em conta toda a atividade empresarial desenvolvida pelo locatário, que não se limita apenas ao conjunto de bens materiais e imateriais, mas inclui o conjunto de serviços que presta e os lucros que aufere.
 
O contrato tem peculiaridades, sem dúvida – locação não residencial, para fins de comercializar a revenda a varejo de produtos derivados do petróleo, do qual a apelada é distribuidora e mais acessórios para automóveis.
 
… há um visível abrandamento na jurisprudência a respeito da matéria, dado que o conceito de fundo de comércio foi ampliado, não se restringindo atualmente àquele adotado pela antiga Lei de Luvas.
 
Durante quase duas décadas de vigência do contrato, indubitavelmente a apelante cumulou bens materiais, mas, sobretudo, incorpóreos que necessitam da proteção muito além daquela prevista na Lei de Luvas, mas dentro do moderno conceito de fundo empresarial que abrange não só a atividade de comprar e vender, mas todo um universo de negócios com fins lucrativos.
 
… leva-se, enfim, em conta toda uma gama de elementos que dispõe o comerciante para desenvolver seu negócio, visto que, o que atrai a clientela, não é a qualidade do produto, porque é igual em todo o país, mas a localização, a qualidade do atendimento, atendimento personalizado e outros serviços que contribuíram para aumento da venda dos produtos que revende.
 
Dentro dessa linha de raciocínio, dispõe a apelante fundo de empresa a ser protegido, porque explorando o comércio de produtos derivados de petróleo pratica, com exclusividade, a revenda dos produtos que lhe são vendidos pela apelada, impedida de fazê-lo, face à política econômica brasileira no que diz respeito à distribuição e comercialização do petróleo e seus derivados.
 
Assim, não se pode deixar de reconhecer que as características próprias que envolvem a atividade mercantil da apelante conduzem necessariamente ao reconhecimento da existência de um fundo de empresa a ser apurado em execução, observadas as normas técnicas utilizadas para tal fim.” (grifou-se – Apelação Cível nº 8351-4 – Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia – APELADA: ESSO BRASILEIRA DE PETRÓLEO) (7)  Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 77, p.08-16, fev/março, 2006 12
………………..
“O conceito de fundo de comércio foi realmente ampliado pela jurisprudência , que não se limita ao conceito clássico adotado pela Lei de Luvas, que, aliás, não limita diretamente o conceito de fundo de comércio. Leva-se em conta, hoje, a atividade empresarial, de modo que, um hospital ou uma escola, e até um cartório de notas já obtiveram a renovatória, por entendimento de que haveria fundo de comércio em atividades, como as indicadas, em que não há, propriamente atividade mercantil …” (Apelação Cível 5.177 – Quarta Câmara Cível do Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro)
…………………
“A expressão fundo de comércio já não é suficiente para caracterizar o complexo de bens materiais e imateriais , integrantes do estabelecimento empresarial. Por isso, a doutrina e a jurisprudência promoveram a ampliação conceitual do fundo de comércio para fundo de negócio para fundo de empresa, o que possibilita a abrangência de um maior número de atividades, estendendo a proteção da chamada Lei de Luvas à atividades tipicamente empresariais,…” (Apelação Cível 8089 – Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro) “In casu, os autos noticiam que o objetivo da locação é a revenda a varejo de combustível e demais derivados de petróleo com autorização também de venda de acessórios para veículos motorizados, o que caracteriza uma atividade mercantil. Exerce, portanto, atividade tipicamente de comerciante – compra e venda de combustível, tendo clientela certa ou eventual em busca da mercadoria que ali se encontra à venda, praticando com exclusividade a mercancia, estando desde o início do prazo do contrato da locação até a presente data, exercendo o mesmo ramo de negócio ininterruptamente, valendo-se de uma equipe de empregados e sujeita a tributos pertinentes à atividade que desenvolve.
 
ASSIM, TODAS AS CARACTERÍSTICAS DE UMA ATIVIDADE EMPRESARIAL POSSUI A APELANTE, CONSEQUENTEMENTE, É DE SE LHE CONHECER A EXISTÊNCIA DE FUNDO DE COMÉRCIO DENTRO DA NOVA CONCEITUAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL, ISTO É, FUNDO DE EMPRESA QUE ABRANGE UMA ESTEIRA ENORME DE ATIVIDADES ECONOMICAMENTE ORGANIZADAS, SEJA PARA A PRODUÇÃO OU CIRCULAÇÃO DE BENS OU SERVIÇOS EXERCIDA PELO EMPRESÁRIO.” (Apelação Cível nº 8351-4 – Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da
Bahia – APELADA: ESSO BRASILEIRA DE PETRÓLEO)
 
Diante da ampliação do conceito de fundo de comércio para o moderno fundo de empresa ou de negócio, resta demonstrada não ser correto limitar à configuração do fundo de empresa aos comandos da Lei do Inquilinato, porquanto esta adotou o conceito clássico de fundo de comércio da revogada Lei de Luvas do direito francês.
 
Com efeito, compete, agora, apreciar a quem pertence a titularidade do fundo de comércio ou de empresa existente no Posto de Combustíveis.
 
A melhor doutrina brasileira é uníssona ao conceituar a atividade comercial como aquela em que se pretende obter lucro através da intermediação, assumindo-se o risco de, eventualmente, sofrer prejuízos. (8)
Vale mencionar, a respeito, a lição do Professor Fran Martins que: “… Daí concluir-se que a atividade comercial é sempre especulativa, isto é, o comerciante sempre visa a vender por mais o que adquiriu por menos, muito embora, às vezes, em face de circunstâncias especiais, não obtenha lucros e sim sofra prejuízos (venda por menos do que o preço de aquisição e encargos que oneram as mercadorias).” (9)
 
É importante esclarecer que, embora a atividade comercial possa até ser considerada especulativa (obtenção do maior lucro), o certo é que o risco do negócio é assumido tão-Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 77, p.08-16, fev/março, 2006 13somente pelo Revendedor e nunca pela Distribuidora. O risco de prejuízo ou da quebra, no empreendimento da atividade da revenda é exclusivo do Revendedor.
 
Ressaí do exposto que, a rigor, o fundo de comércio ou de empresa existente no Posto de Combustíveis pertence exclusivamente ao Revendedor. Somente o Revendedor empreende na atividade da revenda; somente o Revendedor corre riscos. Logo, a titularidade sobre o fundo de comércio somente pode ser do Revendedor.
 
Hipótese clara do risco da atividade é que o Revendedor suporta, com exclusividade, o inadimplemento do consumidor, a variação de aumento do aluguel mensal, com valor mínimo, com base em volume inatingível, com sobrecarga nos valores locatícios, os encargos locatícios, despesas de manutenção, despesas operacionais, encargos tributários, salários e encargos sociais, queda no volume de vendas, concorrência na área de atuação, competição de preços e condições ao consumidor final etc.
 
Neste diapasão, resta induvidoso que o Revendedor — único agente econômico a submeterse os riscos da atividade da revenda — é o titular exclusivo do fundo de comércio ou de empresa.
Na esteira de pensamento, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça posicionou-se acerca do reconhecimento do direito sobre o fundo de empresa exclusivamente ao revendedor (locatário ou sublocatário, conforme o caso), eis que o risco da atividade é assumido unicamente por ele – inclusive, modificou posicionamento anterior da Corte para passar a negar legitimidade ativa às Distribuidoras de Petróleo à propositura da Ação Renovatória.
 
(10) Convém mencionar os seguintes trechos de precedentes seguindo essa linha de orientação: “PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – LOCAÇÃO COMERCIAL – RENOVATÓRIA – DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO – SUBLOCAÇÃO – ART.51, PARÁG. 1º, LEI Nº 8.245/91- ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – CARÊNCIA – FUNDO DE COMÉRCIO – TRANSFERÊNCIA – EXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS – SÚMULA 05/STJ – DISSÍDIO PRETORIANO – INEXISTÊNCIA.
(…)
 
3 – Distribuidora de derivados de petróleo que subloca totalmente posto de serviço ao seu revendedor, mesmo que impossibilitado de comercializar diretamente seus produtos, não tem legitimidade para a propositura de ação renovatória. Inteligência ao art. 51, parágrafo 1º da Lei nº 8.245/91. Ilegitimidade ativa ad causa reconhecida, para manter a carência decretada.
 
4 – A LEI DE LOCAÇÃO (8.245/91) PROCUROU PROTEGER O FUNDO DE COMÉRCIO DE QUEM ESTÁ NA POSSE DO BEM, UMA VEZ QUE É A SUBLOCATÁRIA QUE DESENVOLVE E EXPLORA O MESMO, ASSUMINDO DIRETAMENTE OS RISCOS QUE O COMÉRCIO PROPORCIONA.
 
5 – Precedentes (Resp nºs 71.173/SP e 172.719/SP).
 
6 – Recurso parcialmente conhecido e, neste aspecto, desprovido. (RESP 127710/SP – DJ DATA:06/12/1999 – Relator(a) Min. JORGE SCARTEZZINI)
(…)
“AÇÃO RENOVATORIA PROPOSTA POR DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETROLEO (SUBLOCADOR) E PELO POSTO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS (SUBLOCATARIO). SUBLOCAÇÃO TOTAL. LEGITIMIDADE ATIVA.  Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 77, p.08-16, fev/março, 2006 14NO CASO DE SUBLOCAÇÃO TOTAL DO IMOVEL, SOMENTE O SUBLOCATARIO TEM LEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO RENOVATORIA. NESTE CASO, PRESUME-SE QUE O SUBLOCADOR NÃO SEJA, TAMBEM, PROPRIETARIO DO FUNDO DE COMERCIO. DECRETO N. 24.150/34, ART 3., PARS. 3. E 4. DA LEI N. 8.245/91, ART. 51, PAR. 1. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO PELA ALINEA C, MAS IMPROVIDO. (RESP 19199/SP – DJ DATA:29/03/1993 REPDJ DATA:03/05/1993 – Relator(a) Min. NILSON NAVES )
(…)
 
“LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. DISTRIBUIDORA DE PETRÓLEO. SUBLOCAÇÃO TOTAL. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA PROPOR AÇÃO RENOVATÓRIA

  1. A distribuidora de derivados de petróleo que subloca totalmente posto de serviços ao seu revendedor, não tem legitimidade para propor ação de renovação do contrato.” (11) (RESP178439-MG, DJ de 30.11.98 – grifo nosso)

 
Deve-se ter em mente que embora os precedentes citados cuidem de casos em que há sublocação, não diferem, na essência, da abordagem aqui realizada. Historicamente, a legislação pertinente – aqui, considerada em sentido amplo – sempre vedou o exercício de comércio varejista de combustíveis e derivados por parte das Distribuidoras de Petróleo, sendo tal função relegada aos Postos Revendedores, em decorrência da verticalização do mercado de refino, distribuição, transporte e revenda de derivados de petróleo e álcool combustível.
 
Os extintos CNP – Conselho Nacional de Petróleo – e DNC – Departamento Nacional de Combustíveis – por meio de Portarias e outros atos normativos, sempre previram a referida proibição. Atualmente o órgão responsável pela organização e fiscalização do comércio de petróleo e derivados é a Agência Nacional do Petróleo – ANP, que, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, editam normas reguladoras deste segmento de mercado.
 
A título de ilustração, dispõe o art. 10 da Portaria 009/97 do Ministério de Minas e Energia que: “Art. 10. É VEDADO ÀS DISTRIBUIDORAS O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE DE REVENDEDOR VAREJISTA, salvo quando o Posto Revendedor se destinar ao treinamento de pessoal, com vistas à melhoria da qualidade do atendimento ao mercado consumidor.” Note-se que a proibição legal se refere unicamente ao exercício do comércio varejista pelas Distribuidoras.
 
Em razão de tal proibição é que, dependendo do caso, pode ocorrer somente locação do imóvel – quando a distribuidora é proprietária do imóvel e o loca ao revendedor para que este exerça a atividade comercial; outra hipótese é a locação e sublocação simultâneas – quando o revendedor é proprietário do imóvel e o dá em locação à distribuidora e este, por seu turno, explora o negócio diretamente ou subloca o imóvel a terceiro que operará o posto de combustíveis.
 
Portanto, nota-se que tanto na hipótese de locação quanto na de sublocação, é sempre o revendedor quem exclusivamente detém o direito sobre o fundo de comércio ou de empresa,
por assumir sozinho o risco do empreendimento. Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 77, p.08-16, fev/março, 2006 15
Demonstrado que o risco inerente à atividade é assumido somente pelo Revendedor, é fácil concluir pelo reconhecimento de seu direito de propriedade EXCLUSIVO SOBRE O FUNDO DE COMÉRCIO OU DE EMPRESA (OU DE NEGÓCIO) existente, posto que a titularidade a tais fundos, independentemente da variação que mereça, só pode e poderá ser atribuído àqueles que assumam o risco do exercício da mercancia, no segmento da revenda.
 
Não é outra a orientação proclamada pelo Colendo Tribunal de Alçada Cível do Estado do Rio de Janeiro, no embate entre Distribuidora e Revendedor, verbis: “… O lucro, além de ser um dos elementos essenciais do fundo de comércio, o valoriza para mais ou para menos. E a referida figura concreta resulta diretamente da atividade da empresa que explora o posto. Este, com simpatia, educação e presteza de seus dirigentes e funcionários, é que transforma o posto em local mais freqüentado, com mais ou menos freguesia. Com efeito, a agravante não participa nem dos lucros, nem dos prejuízos e, convém ressaltar-se, somente entrega o produto que distribui mediante pagamento à vista ou a curto prazo. Com relação ao argumento da agravante de que realiza propaganda de sua marca e, assim, contribuiria para a formação do fundo, é de ressaltar que da sua conduta em tal campo é que resultam suas maiores vendas como distribuidoras e, portanto, maiores lucros que são somente seus.” (APC 288158/3-00 – Terceira Câmara Cível do Segundo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro) Constata-se, então, que o risco é inerente à toda atividade empresarial, isto é, só podem ser consideradas comerciantes aquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que assumam o ônus de, querendo obter lucros através da mercancia, eventualmente possam sofrer prejuízos. Sendo o fundo de empresa um conjunto de elementos (materiais e imateriais, corpóreos ou incorpóreos) empregados pelo comerciante para atrair clientela e, conseqüentemente, obter
lucro, constata-se que esse fundo, in casu, é devido, EXCLUSIVAMENTE, ao REVENDEDOR, eis que foi unicamente ele, durante todo o período de vigência contratual, quem esteve à frente do negócio, utilizando atendimento diferenciado, pessoal especializado e toda uma gama de artifícios destinados à atrair clientela. Por outro lado, só ele, como visto, arca com eventuais prejuízos da atividade.
 
Concluindo, não reconhecer o direito sobre o fundo de comércio ou de empresa exclusivamente ao Revendedor importa promover o enriquecimento sem causa da Distribuidora — que se locupletará à custa do trabalho de outrem. Recomenda-se, pois, que o Revendedor promova, quando necessário, ação própria visando à defesa dos seus direitos, de modo a obter declaração judicial do reconhecimento ao fundo de comércio ou de empresa, na hipótese da Distribuidora ameaçá-lo ao despejo do imóvel, sem qualquer contrapartida econômico/indenizatória. (12)
______________________________________________________
(1) Toda e qualquer distribuidora autorizada a funcionar no Brasil, no segmento de petróleo e álcool combustível.
(2) Salvo quando se tratar de Posto-Escola, próprio para fins de treinamento.
(3) Para os fins deste artigo, Posto Revendedor ou Posto de Combustíveis tem sinonímia de Posto de Gasolina (antigo conceito, quando nos pontos de venda somente revendia-se gasolina, inclusive sem quaisquer serviços).
(4) Pacto mercantil através do qual o Revendedor obriga-se a exibir a bandeira (marca (logotipo/cores/distintivos/layout) da Distribuidora, por prazo determinado ou não). Rev. Jur., Brasília, v. 7, n. 77, p.08-16, fev/março, 2006 16
(5) Tal abordagem e estudo é objeto de outro artigo de nossa autoria (cf. Cláusula de Exclusividade – Ofensa aos Princípios da Livre Iniciativa e Livre Concorrência. ).
(6) In Curso de Direito Comercial, Volume I, 1998, pág. 26/27.
(7) No mesmo sentido: APC 24.735-0, Quarta Câmara Cível de Salvador – APELADA: ESSO
BRASILEIRA DE PETRÓLEO.
(8) Em sentido conforme: REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 23ª Edição, Saraiva, 1998, pág. 3 a 5; COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Volume 1, Saraiva, 1998
(9) Curso de Direito Comercial, 24ª Edição, Forense, Rio de Janeiro, 1999, p.2.
(10) No passado, quando atuávamos para as Distribuidoras, fomos um dos responsáveis pela então orientação do STJ — que reconhecia legitimidade ativa concorrente em favor das Distribuidoras, na propositura de Ação Renovatória em decorrência da Súmula 09, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – que nega as companhias de petróleo direito à renovatória.
(11) No mesmo sentido: RESP 71.173-SP; RESP 172719-SP; RESP 19199-SP; RESP 34909-RJ e
RESP 187062-SP.
(12) Registro, com orgulho e exemplo profissional, nesta oportunidade, que este artigo fora escrito com a colaboração do meu ex-aluno e Acadêmico de Direito – Ângelo Barbosa Lovis, estudante do 9ºsemestre diurno, do UniCEUB, por força da sua condição de estagiário-conveniado no Guerra Advogados S/C, Escritório que represento, em decorrência de sua inicial incursão no Direito Comercial-Empresarial, especificamente no subramo do Direito do Petróleo.

Artigo anteriorA venda de combustíveis em sacos e garrafas é proibida
Próximo artigoDicas para o dia-a-dia da Revenda
O Blog Brasil Postos é a maior fonte de informação de notícias e conteúdos para o segmento de postos de combustíveis e lojas de conveniência. Cerca de 75% dos gestores de postos de combustíveis acessam a plataforma do Portal Brasil Postos pelo menos uma vez por mês.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here