Em 15 meses, rede de mercados de bairro já inaugurou mais de cem lojas em SP – ritmo, que virou piada na internet, é coisa séria para os rumos da alimentação
Subindo a Maria Antônia na direção da rua da Consolação há uma. Descendo a mesma Consolação rumo ao centro, outras duas. Tem na avenida Ipiranga. Na praça da República. E no largo do Arouche. Faça esse trajeto a pé que, em 30 minutos, você terá encontrado seis OXXO.
Se você não mora em São Paulo, é muito provável que não saiba o que é uma OXXO. Mas, se você mora, sua situação talvez não seja muito melhor.
De uma hora para outra, essas pequenas lojas que vendem comida, mas também produtos de higiene e limpeza, começaram a coalhar bairros inteiros da capital e de algumas poucas cidades do interior paulista. O ritmo frenético tem rendido piadas na internet. E dúvidas.
Aposta no Brasil
A OXXO pertence à empresa que se notabilizou como a maior engarrafadora da Coca-Cola no mundo. A Fomento Económico Mexicano (Femsa) inaugurou a primeira loja OXXO em 1978, na cidade de Monterrey.
Em 2021, a empresa fechou o ano com 20.431 unidades espalhadas pela América Latina – o que torna a OXXO a maior rede de mercadinhos de bairro da região.
Embora pareça, a entrada da OXXO no Brasil não aconteceu de uma hora para outra. Foi fruto de muito cálculo. A Femsa expressava, desde pelo menos 2011, interesse em fincar a bandeira da marca por aqui. A ideia era que as primeiras lojas começassem a pipocar no país em, no máximo, cinco anos. Não rolou.
O Brasil enchia os olhos por seu tamanho e importância. Mas, ao mesmo tempo, os executivos avaliavam que o mercado brasileiro era bem diferente do mexicano. As padarias, muito populares no país, eram vistas como um obstáculo.
“O brasileiro compra pão quentinho feito na hora”, observou, na época, o então gerente de Relações com Investidores da empresa Max Zimmermann, em uma entrevista ao UOL.
“Talvez tenhamos de ter uma pequena padaria dentro das nossas lojas. Estamos estudando. A OXXO no Brasil terá de começar do zero.”
Oito anos se passaram até a OXXO desembarcar em solo tupiniquim, e através de uma parceria de peso. Em agosto de 2019, a Femsa anunciou um acordo com a Raízen, que é uma das maiores distribuidoras de combustíveis do país, dona dos postos Shell.
Por R$ 561 milhões, os mexicanos adquiriram metade da divisão de Conveniências da Raízen, responsável pelas lojas Select. Depois de aprovado pelo Cade, esse negócio virou uma empresa à parte, batizada de Grupo Nós.
O Nós entrou em operação em 1º de novembro de 2019, com muito dinheiro na mão e uma estratégia agressiva de crescimento na cabeça:
R$ 320 milhões para abrir 500 lojas em três anos.
Trata-se de uma “máquina de expandir”, como definiu o CEO da nova empresa, Rodrigo Patuzzo, que antes estava à frente da Raízen Conveniências.
O plano não envolve somente a abertura de unidades da OXXO. É uma “estratégia de crescimento de mão dupla”, como define a própria Femsa, em que o foco está tanto em ampliar a penetração das tradicionais lojas Select nos postos Shell, quanto em implantar as OXXO.
Campinas, no interior de São Paulo, foi escolhida para azeitar essa tal máquina de expandir. A primeira loja da OXXO no Brasil foi aberta na cidade no dia 1º de dezembro de 2020. Na sequência, vieram Jundiaí, São Paulo, Osasco e São Bernardo do Campo. Em 15 meses, foram inauguradas mais de cem lojas nessas cinco cidades.
Um giro por Campinas
A escolha das cidades e locais onde as lojas abrem não é feita ao acaso. Campinas foi eleita como laboratório do Grupo Nós por estar perto de Cajamar, onde se concentram os centros de distribuição de várias empresas. E por ter características de cidade grande e pequena – o que serve para testar o comportamento dos consumidores à “proposta de valor” da OXXO, como gostam de falar os executivos.
Dentro das cidades, as lojas salpicam as ruas de regiões com grande circulação de pessoas, mas também são instaladas em nichos, como perto de universidades — Campinas, com a Unicamp, é mais uma vez um lugar perfeito.
Hoje – e quando dizemos hoje não é em sentido figurado, já que a expansão da OXXO não pára – existem 29 lojas na cidade.
A maior parte delas está no centro, bairro particularmente movimentado por ser passagem obrigatória para quem precisa atravessar a cidade de ônibus. É lá que se concentram as baldeações do transporte público.
A primeira OXXO do Brasil foi aberta no marco zero da cidade – um local para lá de simbólico, tanto para os campineiros quanto para a marca. Lembra que as padarias brasileiras eram uma preocupação para a Femsa? Pois a OXXO entrou no lugar de uma… padaria. E não qualquer uma, mas a Orly, que funcionou no local por 55 anos.
A “OXXO-Orly” – como, ironicamente, a loja foi batizada – deixa no visitante mais atento a impressão de que uma história foi apagada por outra. Nas paredes onde antes havia pães e doces familiares, hoje se vê estampada a linha do tempo que atesta o sucesso da marca estrangeira: a OXXO chegou a cem lojas em 1981, a 500 em 1992, a mil em 1999…
Albino de Sousa trabalha há 40 anos no ponto de táxi que fica na diagonal da esquina onde se instalou a loja. Ele sente saudades de almoçar e lanchar na Orly. “Era uma beleza.” A OXXO, diz, tem sido útil “de vez em quando”. “Pra mim não é barato, mas funciona a noite inteira isso aí. É igual posto de gasolina.”
O funcionamento 24 horas, sete dias por semana – igualzinho às lojas de conveniência – é um dos diferenciais da marca.
No Brasil, porém, a maior parte das lojas tem fechado às 22h nos dias de semana. E funcionam madrugada adentro sexta, sábado e domingo.
Seu Albino também não gosta do pão da OXXO. Ah, sim: conforme aquele executivo antecipou 11 anos atrás, a OXXO no Brasil tem padaria. Quer dizer, mais ou menos.
A marca anuncia “pão fresquinho”, mas funcionários de lojas diferentes contaram ao Joio que os pães chegam semiprontos. Na loja, o único trabalho é colocar o produto no forno para assar. O pão da OXXO tem textura e sabor de pão de supermercado.
Quem anda pelo centro de Campinas de dia pode se preocupar com muitas coisas, mas encontrar o que comer não é uma delas. Os quarteirões estão coalhados de mercadinhos e lanchonetes.
Por lá aconteceu um fenômeno curioso: as bancas de jornal mantêm a estrutura original, mas foram transformadas em bancas de comida. Vende-se cachorro quente, açaí, salgados… Dependendo da parte do centro, as bancas funcionam como mini-hortifrutis, vendendo apenas frutas, verduras e legumes.
Ao contrário, as lojas da OXXO no centro de Campinas não oferecem um mísero dente de alho.
Segundo a Femsa, as lojas são segmentadas por tipos, dependendo de onde estão – se num prédio de escritórios ou numa região mais residencial. É esse perfil que determina o sortimento dos produtos.
Em média, cada loja oferece 3,2 mil itens. Naquelas que vendem legumes e frutas, o mais comum é que essa oferta se resuma a 12 itens: alho, cebola, tomate normal e cereja, limão, banana prata, mamão papaya, manga tommy, pera portuguesa, laranja pera, batata inglesa e batata doce.
Algumas poucas lojas também vendem cenoura, berinjela, abobrinha, chuchu, abacaxi, abacate e goiaba. Mais raras ainda são as que oferecem alface americana e alface crespa empacotada.
Mas o grosso da oferta são alimentos e bebidas ultraprocessados.
“Só tem produtos empacotados”, resumiu Sarah Knittel, uma jovem simpática que o Joio encontrou saindo de uma OXXO situada a 200 metros da entrada da Unicamp. Moradora do distrito de Barão Geraldo, ela acredita que a rede se vale da falta de opções. “Não tem nada perto daqui, então acaba sendo uma mão na roda.”
O fluxo na loja da Unicamp é intenso. Em meia hora, uns 40 clientes passaram por lá – na maior parte, estudantes. Caixa de bombom Garoto. Barra de chocolate Alpino. Coca-Cola. Doritos. Esse é o tipo de coisa que a garotada estava comprando.
Também deu para ver que as coisas estavam dando certo de outro jeito: a três quadras dali, uma outra loja OXXO estava prontinha para ser inaugurada. Novamente, situada a poucos minutos de uma das entradas da Unicamp.
A prática se repete nas duas principais universidades de Campinas: há uma OXXO na porta da PUC e outra OXXO bem pertinho da Mackenzie. Há uma loja na frente da Mackenzie da capital também.
Mas voltando ao centro de Campinas, segundo relatos – e pelo que pudemos testemunhar –, as lojas vivem vazias. O que deixa todo mundo meio intrigado. Fora isso, ouvimos as pessoas falarem mais bem do que mal da multiplicação das OXXO.
“Eu acho interessante, até sob o ponto de vista da revitalização do centro de Campinas. Acho importante e necessário”, frisou a comerciante Malu Pimenta, que há 20 anos toca um brechó na rua Regente Feijó. Já outra mulher, que ouvia a conversa na loja, mas não quis dar entrevista, se disse incomodada com a enxurrada de lojas de uma hora para outra. “A gente brinca dizendo que há uma pandemia de OXXO na cidade”, resumiu, por sua vez, Sarah Knittel.
José Dias, que vende frutas e legumes numa banquinha de jornal na avenida Francisco Glicério, não acredita que a rede seja uma ameaça ao comércio local. “O Sol nasceu para todos”, disse sorrindo.
“Até aumenta o movimento, porque a pessoa que vai na loja não encontra o que a gente vende.”
Davi contra Golias
Nesse sentido, vale a pena olhar para o México. Em seu país de origem, a Femsa tem nada menos do que 20 mil lojas OXXO. E isso cria problemas para os pequenos comerciantes, é óbvio.
Os donos das “tienditas” – como são chamadas as vendinhas de bairro – reclamam que não têm como competir com as promoções e vantagens da OXXO.
No estado de Aguascalientes, localizado no centro do país, o problema já gerou até uma política pública voltada à capacitação dos pequenos comerciantes, por se considerar que, a cada OXXO que abre, entre cinco e sete tienditas fecham.
Mas fica difícil imaginar uma capacitação que contorne o fato de que essa é uma luta de Davi contra Golias.
Até porque, no México, a OXXO é muito mais do que uma rede que vende produtos alimentícios e bebidas. Ela é um lugar onde se pagam as contas. Tipo uma lotérica. Hoje, a OXXO é o principal correspondente bancário do país. Segundo a Femsa, um cliente pode acessar sete mil tipos de serviços diferentes numa OXXO como, por exemplo, pagar em dinheiro nas lojas por aquilo que comprou na internet, como uma assinatura do Spotify ou um produto na Amazon.
A OXXO também está expandindo seus negócios no braço digital: lançou uma startup de pagamentos online chamada Spin. Quem tem um cartão Spin acumula pontos no programa de fidelidade OXXO Premia. E tudo isso cria dados de consumo valiosos para a empresa.
A pesquisadora mexicana Ana Isabel Rodríguez-Guerra explicou ao Joio que, apesar de toda essa musculatura, a OXXO e outras redes semelhantes que operam no país, como a 7-Eleven, ainda são minoria em comparação com as tienditas. Contudo, são elas as que mais crescem no país – a uma taxa que chegou a 142% na década passada, mais que o dobro do crescimento dos supermercados.
Se depender da Femsa, essa distância vai encurtar ainda mais. Numa conferência aos investidores realizada em fevereiro deste ano, o CEO da empresa, Daniel Rodríguez Cofré, afirmou que acredita ser “inteiramente possível abrir mais 10 mil lojas no México na próxima década”. Se o prognóstico se confirmar, o país terá 30 mil lojas OXXO – um número que, transportado para a realidade brasileira de hoje, significa um terço de todo o nosso setor supermercadista.
Bem pertinho de você
Mas, se depender das empresas envolvidas na operação da OXXO no Brasil, a palavra de ordem também é expandir. “Estamos inaugurando um mercado por dia. Vamos chegar ao número 1.000!”, prometeu Ricardo Mussa, CEO da Raízen, no final de março. Mas por que a OXXO é sinônimo de tantas lojas?
A OXXO se baseia em um conceito que se vende como novo, mas na verdade é mais velho do que andar pra frente: o varejo de proximidade. Os armazéns de secos e molhados do século passado eram varejo de proximidade.
No livro Donos do Mercado, que o Joio lançou em 2020, João Peres e Victor Matioli investigaram o setor de supermercados no Brasil e chegaram a uma definição que pode ser útil aqui. Eles dividem o varejo alimentar em dois tipos.
O “varejo tradicional” é composto por lojas pequenas, não organizadas em redes, que comercializam produtos em volume reduzido. “São mercearias, mercadinhos de bairro, pequenos varejões”, exemplificam.
A outra face da moeda fica com o que eles chamam de “varejo estruturado”. É o varejo de grande porte, até então traduzido por supermercados, hipermercados, atacarejos…
O modelo da OXXO se encaixa no varejo estruturado, mas se apropria do espaço do varejo tradicional – o que tem tudo para tornar mais difícil a vida do seu Zé da quitanda ou do seu Manoel da padaria.
Em termos de escala, por exemplo, não há comparação entre uma pequena, ou até mesmo uma média empresa, e uma joint venture bilionária formada por duas das maiores empresas da América Latina: com milhares de lojas, é fácil negociar com os fabricantes preços que vão se traduzir em promoções para o consumidor.
Se muitas e muitas lojas significam escala, elas também significam conveniência.
“Existe uma tendência mundial de polarização do consumo entre dois grandes polos.”
O diagnóstico é do CEO do Grupo Nós, Rodrigo Patuzzo, e ajuda a entender por que a encalacrada de lojas como a OXXO também é civilizatória.
Segundo ele, o primeiro polo é o do preço – representado, hoje, pelos atacarejos. É unicamente a vontade de poupar dinheiro o que move os consumidores na direção dessas lojas gigantes, que ficam geralmente longe de casa.
Mas, no outro extremo, o consumidor é dominado por uma angústia relacionada não a algo concreto, como o saldo na conta bancária, mas subjetivo, como a percepção do tempo.
“Hoje a gente quer fazer muito mais coisas no mesmo período de tempo que a gente fazia antes – e a tecnologia nos permite isso. Então, cada vez mais, falta tempo para as pessoas”, descreveu Patuzzo, explicando que a OXXO se posiciona nesse polo.
Em um mundo acelerado, é quase como se a OXXO se oferecesse como alívio para uma coceira que ela – com seu funcionamento 24 horas, com sua ode à velocidade – ajuda, na verdade, a piorar.
No segmento da alimentação, as lojas baseadas nesse conceito começaram a pipocar no Brasil pelas mãos das grandes redes de supermercados. O Grupo Pão de Açúcar (GPA) tem as bandeiras Minuto Pão de Açúcar e Mini Extra. O Carrefour, por sua vez, tem o Carrefour Express.
O movimento das redes de supermercado agora é seguido pelas distribuidoras de combustível. O Grupo Ultra, dono do Ipiranga e das lojas am/pm, anunciou em 2020 a intenção de expandir sua atuação para fora dos postos.
Também a Vibra Energia (antes da privatização, BR Distribuidora) fez um movimento parecido com o da Femsa e da Raízen e criou uma joint venture com a Lojas Americanas. A empresa se chama Vem Conveniência e conta com lojas dentro e fora dos postos de gasolina.
Ou seja: a aliança entre os ultraprocessados e os combustíveis fósseis está vindo com tudo. O que também não deixa de ser uma prova de que a crise é civilizatória, já que a epidemia de doenças crônicas e o aquecimento global são dois dos maiores problemas do nosso século.
Mas tudo isso vem embalado num discurso fofo: “Nosso propósito é aproximar e facilitar, para todos poderem aproveitar o que mais vale: o tempo para curtir a vida”, diz o manifesto do Grupo Nós.
OXXO avança na América do Sul
A velocidade com que a OXXO cresce no Brasil é algo fora da curva quando a gente olha para como se deu a entrada da marca nos outros países onde opera.
O primeiro lance da expansão aconteceu em 2009, na Colômbia. Segundo o relatório mais recente da Femsa, por lá existem 110 lojas OXXO. Depois de um intervalo razoável, em 2017 o Chile foi o próximo. Tem 104 lojas. Na sequência, em 2018, veio o Peru. O país tem 57 lojas. E, finalmente, o Brasil se tornou a quarta – e até agora última – conquista da OXXO fora de solo mexicano.
Embora a multiplicação das OXXO por aqui levante suspeitas em quem anda pelos bairros onde ela acontece, há um plano concreto de expansão por trás disso tudo. Para compreendê-lo, é preciso ter alguma ideia do que é a Femsa.
Geralmente, a empresa é confundida com a Coca-Cola Company, corporação da qual é sócia no negócio de bebidas. Mas a Femsa tem muitos outros tentáculos.
No braço de Negócios Estratégicos, por exemplo, há uma companhia de logística chamada Solistica, que também está crescendo – e, no embalo, já adquiriu empresas brasileiras como a AGV e a Expresso Jundiaí.
Já no braço de Comércio, a Femsa tem três divisões: saúde, com redes de farmácias em vários países; combustíveis, com postos de abastecimento no México; e proximidade, com as lojas OXXO.
A OXXO, inclusive, surgiu antes do acordo com a Coca-Cola. A marca foi criada em 1977 como forma de a Femsa – então Cervecería Cuauhtémoc – vender diretamente ao consumidor as cervejas que produzia. Deu certo.
Em 2021 a divisão de proximidade ultrapassou a área de engarrafamento das bebidas da Coca-Cola em rendimentos e lucros gerados para a Femsa.
Numa conferência aos investidores realizada em fevereiro deste ano, os executivos da Femsa anunciaram que as inaugurações na América do Sul vão acelerar ao longo da década. Com isso, explicaram, a Femsa busca colher os benefícios de um negócio em larga escala, como uma posição mais vantajosa para negociar com os fornecedores. Em outras palavras, para espremê-los melhor.
“Em poucos anos, é inteiramente possível que as operações internacionais estejam gerando lucros comparáveis às operações no México”, disse Daniel Rodríguez Cofré, o mais novo CEO da Femsa, nomeado para o cargo em janeiro deste ano – e vindo adivinha de onde? Da divisão da Femsa que trata da OXXO.
Segundo ele, aproximadamente 400 novas lojas serão abertas na América do Sul em 2022 – metade delas no Brasil.
Até agora, o plano de expansão da OXXO se concentrou em São Paulo, mas o Grupo Nós já divulgou a intenção de chegar a mais locais na região Sudeste e, no Sul, ao Paraná. De acordo com a empresa, no primeiro ano de operação no Brasil, as lojas OXXO tiveram um faturamento 30% acima do esperado.
Indicadores de saúde piorando
Mas se essa expansão é um bom negócio para os investidores da Femsa, o mesmo não se pode dizer das populações dos países escolhidos para colocar o plano em prática.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), México, Chile, Colômbia, Peru e Brasil experimentaram um aumento nas vendas de alimentos e bebidas ultraprocessados a partir dos anos 2000. Nos cinco países, a alta no consumo de ultraprocessados esteve associada a um aumento nos índices de sobrepeso e obesidade.
Dá para ver direitinho isso no Brasil. Anualmente, o Ministério da Saúde realiza um inquérito telefônico com habitantes das capitais chamado Vigitel. Entre 2006 – primeiro ano do levantamento – e 2021, o percentual de pessoas com excesso de peso foi de 41,3% para 57,2%. E a prevalência de obesidade foi de 11,6% para 22,4%.
Também dá para pegar uma lupa e ver essa deterioração em Campinas. Dados de inquéritos domiciliares da cidade mostram um aumento da obesidade de 15,7% em 2002 para 25,8% em 2015. No mesmo período, o excesso de peso aumentou de 42,1% para 56,3%. E a prevalência de diabetes foi de 3,7% para 7,8%.
Quem compilou esses dados para o Joio foi a nutricionista Lhais de Paula Barbosa Medina. Ela trabalha no Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde da Unicamp, que organiza e analisa os inquéritos de saúde que acontecem em Campinas.
Na avaliação dela, há quem entre em contato com esses números e os interprete como um problema individual – pessoas que não se alimentam bem ou não se exercitam –, fechando os olhos para o contexto em que estão inseridos. “É a culpabilização da vítima, quando essas tendências são a consequência de um projeto que promove estilos de vida não saudáveis.” Para ela, não há muitas dúvidas de que as lojas OXXO fazem parte desse projeto.
Aos poucos, a ciência vai puxando o fio que liga esses indicadores com o ambiente alimentar no qual as pessoas estão inseridas.
A pesquisadora mexicana Ana Isabel Rodríguez-Guerra concluiu, em 2021, uma pesquisa pioneira sobre a correlação entre a presença de diferentes tipos de loja numa vizinhança e o consumo de alimentos. O estudo, feito na Cidade do México, aponta que uma maior densidade de lojas de conveniência, como a OXXO, está associada ao aumento do consumo de bebidas adoçadas e produtos com alto teor de sódio.
Também em 2021, um estudo nacional do México chegou à conclusão de que quanto mais lojas desse tipo, maior é o consumo de ultraprocessados. Ouvimos de Ana Isabel uma reflexão parecida com a de Lhais: “Durante muito tempo o foco foi no indivíduo: como ele deveria mudar a dieta? Nosso esforço é mudar o foco do indivíduo para o ambiente e entender como a disponibilidade de certos produtos – e a escassez de outros – afeta a saúde das pessoas.”
Indicadores de saúde piorando
Mas se essa expansão é um bom negócio para os investidores da Femsa, o mesmo não se pode dizer das populações dos países escolhidos para colocar o plano em prática.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), México, Chile, Colômbia, Peru e Brasil experimentaram um aumento nas vendas de alimentos e bebidas ultraprocessados a partir dos anos 2000. Nos cinco países, a alta no consumo de ultraprocessados esteve associada a um aumento nos índices de sobrepeso e obesidade.
Dá para ver direitinho isso no Brasil. Anualmente, o Ministério da Saúde realiza um inquérito telefônico com habitantes das capitais chamado Vigitel. Entre 2006 – primeiro ano do levantamento – e 2021, o percentual de pessoas com excesso de peso foi de 41,3% para 57,2%. E a prevalência de obesidade foi de 11,6% para 22,4%.
Também dá para pegar uma lupa e ver essa deterioração em Campinas. Dados de inquéritos domiciliares da cidade mostram um aumento da obesidade de 15,7% em 2002 para 25,8% em 2015. No mesmo período, o excesso de peso aumentou de 42,1% para 56,3%. E a prevalência de diabetes foi de 3,7% para 7,8%.
Quem compilou esses dados para o Joio foi a nutricionista Lhais de Paula Barbosa Medina. Ela trabalha no Centro Colaborador em Análise de Situação de Saúde da Unicamp, que organiza e analisa os inquéritos de saúde que acontecem em Campinas.
Na avaliação dela, há quem entre em contato com esses números e os interprete como um problema individual – pessoas que não se alimentam bem ou não se exercitam –, fechando os olhos para o contexto em que estão inseridos. “É a culpabilização da vítima, quando essas tendências são a consequência de um projeto que promove estilos de vida não saudáveis.” Para ela, não há muitas dúvidas de que as lojas OXXO fazem parte desse projeto.
Aos poucos, a ciência vai puxando o fio que liga esses indicadores com o ambiente alimentar no qual as pessoas estão inseridas.
A pesquisadora mexicana Ana Isabel Rodríguez-Guerra concluiu, em 2021, uma pesquisa pioneira sobre a correlação entre a presença de diferentes tipos de loja numa vizinhança e o consumo de alimentos. O estudo, feito na Cidade do México, aponta que uma maior densidade de lojas de conveniência, como a OXXO, está associada ao aumento do consumo de bebidas adoçadas e produtos com alto teor de sódio.
Também em 2021, um estudo nacional do México chegou à conclusão de que quanto mais lojas desse tipo, maior é o consumo de ultraprocessados. Ouvimos de Ana Isabel uma reflexão parecida com a de Lhais: “Durante muito tempo o foco foi no indivíduo: como ele deveria mudar a dieta? Nosso esforço é mudar o foco do indivíduo para o ambiente e entender como a disponibilidade de certos produtos – e a escassez de outros – afeta a saúde das pessoas.”