Este ano promete ser agitado para o setor de combustíveis. O ano chega com indefinição no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à legalidade do tabelamento do frete, com o fim do subsídio ao diesel, e com a expectativa da resposta da Agência Nacional de Petróleo (ANP) sobre as medidas regulatórias colocadas em discussão no 2º semestre de 2018, que vão de mecanismos de “acompanhamento” de preços à revisão da tutela regulatória para fidelidade à bandeira. A mistura desses componentes pode agravar os riscos econômicos em um setor já sensível da economia.
A pergunta é: como desatar esses nós, transformando as dificuldades do cenário atual em uma agenda positiva que eleve a produtividade e a concorrência, contribuindo para a diminuição dos preços ao consumidor?
O ano de 2018 foi marcado por tensões políticas e por uma agenda regulatória fragmentada. As prioridades definidas após longo processo de consulta no âmbito da Iniciativa Combustível Brasil (MME) foram abandonadas e substituídas pela insegurança jurídica relativa ao tabelamento do preço do frete e pela implantação do subsídio ao diesel, que gerou impacto fiscal estimado em cerca de R$ 10 bilhões, inverteu prioridades na agenda ambiental – ao criar incentivo direto para o uso de fonte não renovável – e gerou impacto negativo na concorrência ao inibir artificialmente a importação. Além disso, medidas isoladas colocadas em discussão no pós-maio de 2018, tais como a venda direta de etanol usina-posto, o controle temporário de preços dos combustíveis e a publicação e controle prévio das mudanças nas fórmulas de precificação, também foram criticadas pelos efeitos negativos que podem gerar em termos de evasão fiscal, perdas de receitas a estados e União, aumento de custos logísticos e controle artificial de preços.
Reverter esse cenário crítico é desafio imediato e passa por colocar no centro da agenda regulatória temas estruturais, que podem ter efeitos positivos sobre a produtividade e a concorrência do setor. O primeiro é a agenda tributária. Muito além do peso dos impostos no preço final dos combustíveis, que no caso da Gasolina ultrapassam 40%, o próprio modelo de cobrança do imposto cria distorções que, se revertidas, podem trazer enormes benefícios para a sociedade brasileira. Um exemplo nítido é a sistemática de cobrança do ICMS. Atualmente, a cobrança do imposto é feita com base em alíquotas variáveis por estados e tem por referência um preço que não necessariamente corresponde ao da bomba, o chamado Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF). A substituição desse modelo por uma alíquota cobrada por litro e unificada em todo o país traria efeitos positivos imediatos, tais como evitar a sonegação gerada por alíquotas diferenciadas, incentivar uma concorrência mais agressiva e, para os governos, poderia simplificar a cobrança e o recebimento do imposto. Destaque-se que essa mudança poderia ser feita partindo-se da premissa da neutralidade fiscal em termos de arrecadação, ou seja, não afetaria as receitas governamentais e poderia gerar efeitos significativamente positivos em termos de eficiência e aumento da competição no setor de combustíveis.
Ao mesmo tempo, é urgente discutir um modelo que aumente a concorrência no refino e permita a ampliação dos investimentos em infraestrutura logística (como armazenamento e dutos). Enquanto dados da ANP indicam um crescente déficit entre a capacidade de refino e o total de derivados consumidos no país, o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) aponta a necessidade de R$ 30 bilhões em investimentos em portos, dutos, ferrovias, hidrovias, rodovias e armazenagem para atender a demanda por combustíveis até 2030. A combinação entre capacidade de refino decrescente e baixo investimento em infraestrutura pode gerar forte impacto para o consumidor e deixar a economia brasileira mais vulnerável às variações de preços internacionais.
É essencial, no entanto, evitar que o desinvestimento (e/ou parcerias) em refinarias leve à criação de monopólios regionais. A própria Petrobras, na proposta que fez sobre desinvestimentos em refinarias, dividiu o território nacional em cinco clusters distintos. O Cade também demonstrou preocupação em relação à divisão regional e indicou que a Petrobras não deveria atuar como sócia nas refinarias vendidas. O debate sobre a melhor alternativa para ampliar os investimentos e a concorrência no refino é salutar, e deveria estar no centro da agenda regulatória e normativa no próximo período.
Por fim, é preciso que reguladores e autoridades sejam claros em relação à liberdade de precificação. A tentativa de controle de preços afasta novos entrantes e limita investimentos em logística. Iniciativas como o controle prévio das fórmulas de precificação, como previstas em proposta de resolução apresentada recentemente pela ANP, emitem uma sinalização confusa em relação às prioridades dos reguladores.
No setor de combustíveis, a ordem dos fatores altera substancialmente o produto. Alterar os marcos legais de forma pontual e fragmentada sem atacar gargalos estruturais pode agravar os problemas existentes. A recente queda do preço do petróleo e a consequente diminuição dos preços na bomba dão fôlego para que os atores envolvidos na elaboração de normas regulatórias possam dar um passo na direção correta já no início de 2019, endereçando questões fundamentais como a revisão da estrutura tributária, o combate à sonegação e a contestação à posição dominante no refino.Sem isso, corremos o risco de agravar as incertezas e desconfianças que predominaram em 2018 e perderemos a oportunidade de colocar em prática medidas que realmente beneficiem o consumidor brasileiro.
Fonte: Valor Econômico
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