Econômicos, silenciosos e ecológicos, veículos que são sucesso em países como EUA, Japão e França ainda não empolgam o consumidor brasileiro pelo alto preço
São automóveis que não rodam, mas deslizam no asfalto de tão silenciosos. São econômicos e, ainda por cima, aliviam a consciência do motorista por reduzirem as emissões de gases que estão transformando o planeta num forno. Também são confortáveis, com tecnologias interativas e de fácil manuseio. Porém, há um detalhe: custam caro. Aliás, bem caro.
Desde 2010, começaram a transitar por estradas brasileiras os carros da Ford e Mercedes-Benz dotados de motores inteligentes, os chamados híbridos que combinam eletricidade e gasolina. A partir de janeiro, deve chegar ao país mais uma novidade, o Prius, da Toyota, híbrido que vendeu 2,8 milhões de unidades pelo mundo, desde 1997.
Veículos híbridos (propulsionados por um motor a combustão e um sistema elétrico autocarregável) e os puramente elétricos são a coqueluche no Exterior. Países como os Estados Unidos, a Alemanha, a França e o Japão concedem incentivos — ao redor de R$ 14 mil — para quem comprar um modelo não poluente. No Brasil, no entanto, são privilégio de poucos consumidores e motivo de controvérsia entre especialistas.
Os elétricos são raros. Os híbridos, por não exigirem a recarga da bateria de eletricidade, enfrentam menos barreiras. Não haveria mais de 500 deles desfilando nas rodovias brasileiras, deslumbrando seus donos pelo conforto e desempenho. Ademar Olavo Togni, 80 anos, de Canoas, é um dos felizardos. Já conduziu dezenas de carros, mas nenhum se iguala ao atual, o Ford Fusion Hybrid.
— Melhor que ele? Só outro igual! — destaca.
Togni pagou R$ 140 mil pelo flamante — R$ 50 mil a mais que o mesmo modelo a gasolina. Acompanhado da mulher, Dalila Togni, 77 anos, viaja para o Uruguai, a fronteira com a Argentina e o Paraná, a passeio ou visitando parentes. Com um tanque de 60 litros de gasolina, graças ao suporte da bateria elétrica, viaja cerca de mil quilômetros, parando nos postos de combustíveis apenas para ir ao banheiro e fazer um lanche.
O veterano motorista está entusiasmado. Se não acelerar acima dos 76 km/h, não consumirá uma gota de gasolina, porque o Fusion será impelido pela eletricidade. Entre 76 km/h e 96 km/h, gasolina e eletricidade se revezam. Depois, é só com o motor a combustão, mas o elétrico se reabastecerá pelos movimentos do automóvel.
— Ele não gosta de emprestar o carro para ninguém, nem para os filhos — comenta Dalila, ilustrando o apreço do marido pelo novo brinquedo.
Montadoras esperam
incentivos do Brasil
Carros elétricos e híbridos proliferam em outros países, onde há estímulos na forma de isenção de impostos, mas podem demorar para conquistar espaço no mercado brasileiro. São caros — o Prius, da Toyota será oferecido a R$ 120 mil —, e não há rede de abastecimento e manutenção instalada.
O professor do Centro Engenharia Automotiva da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Marcelo Alves, acredita que montadoras como a Toyota apresentarão os modelos, aqui, mais como parte da propaganda institucional de suas marcas.
— O custo é elevado. E o etanol continua sendo uma alternativa no Brasil — pondera o professor de engenharia mecânica.
Representantes da indústria automobilística admitem que os elétricos e híbridos são exclusividades para alguns. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) avisa que, sem o aval do governo brasileiro, os modelos não emplacarão.
Na mesma linha, a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva) diz que gigantes como a BMW, Audi e as chinesas também desenvolvem projetos com híbridos. Também miram o Brasil. Mas aguardam a regulamentação — entenda-se benefícios fiscais — para agir.
País precisaria de três Itaipus
para abastecer a frota elétrica
Automóveis híbridos enfrentam apenas o obstáculo do preço elevado para transitar pelas ruas do Brasil. Já os movidos somente a eletricidade teriam de ultrapassar uma sequência de barreiras. A mais desafiadora: onde arrumar uma fonte de energia para abastecer a frota?
O diretor do Centro de Estudos Automotivos (CEA), Luiz Carlos Mello, questiona por que o Brasil, o pai do etanol, deveria adotar carros não híbridos. Mello sugere que o país descarte o modelo elétrico e volte a investir no Pró-Álcool, além de pesquisar motores a gasolina de maior eficiência.
— É crime de lesa-pátria apostar numa tecnologia de incubadora tendo o Pró-Álcool ao dispor — critica o especialista.
Definindo o carro elétrico como o “exótico do momento”, Mello pergunta quantas hidrelétricas o país precisaria construir, provocando danos em rios e matas, para garantir o abastecimento de uma frota. Em setembro, conforme o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), havia 41,9 milhões de automóveis circulando.
A consultoria Andrade & Canellas (A & C), com sedes no Rio de Janeiro e em São Paulo, tem a resposta. No final de 2011, quando eram 39 milhões de veículos leves, a A & C calculou que o Brasil deveria ter um parque gerando mais 190.108 gigawatts-hora (GWh) por ano, se toda a frota fosse elétrica. Isso significaria a necessidade de mais três hidrelétricas como a Itaipu — a maior do mundo.
O estudo da A & C diz que carros elétricos são uma “opção interessante para a descarbonização da matriz de transportes”. Mas avisa que a eletricidade para abastecê-los terá de ser produzida, o que exigirá investimentos de geração, transmissão e distribuição. Se não forem três Itaipus, seriam mais cinco do porte de Belo Monte, a hidrelétrica em construção na bacia do Rio Xingu, no Pará.
O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, confirma a necessidade de mais hidrelétricas. Lembra que países onde prosperam os modelos elétricos devem estar com sobra de energia e escassez de petróleo. Alerta que o Brasil não tem eletricidade sobrando — não para o montante que seria exigido.
O professor da Escola Politécnica da USP, Marcelo Alves, aponta outro entrave. O país teria de implantar uma rede de abastecimento para os carros elétricos, assim como existe a de postos de combustíveis. Ao contrário do híbrido, que não precisa ser plugado numa fonte de energia, o puramente elétrico deve ser recarregado sempre que esgotada a autonomia de 150 quilômetros.
— Com o elétrico, se aprovar, haverá uma introdução lenta e gradual — observa.
O mais provável é que os elétricos sirvam a empresas, órgãos públicos e para atividades de baixa quilometragem, como serviços de entrega ou coleta de lixo dentro das cidades. Para Marcelo Alves, o usuário particular deve avaliar todas as implicações antes de optar por um elétrico.
Fonte: http://zerohora.clicrbs.com.br