Em Ribeirão Preto, empresários comentam sobre concorrência desleal, alta carga tributária e falta de fiscalização do poder público.

De mal a pior“, “desleal” e “catastrófico” é como alguns donos de postos de combustíveis em Ribeirão Preto avaliam o mercado em 2019.

Atualmente, a cidade possui 193 postos. Desse total, 22 estão fechados e outros 90 estão à venda. Segundo proprietários, em média, dois estabelecimentos fecham as portas por mês em Ribeirão Preto.

Dentre as principais queixas, a que mais se repete é sobre a margem de lucro. Atualmente, quase metade do preço da gasolina é composto por impostos, enquanto no etanol essa parcela corresponde a um quarto.

Contudo, o valor do álcool sofre variações da safra de cana-de-açúcar, o que também afeta o valor da gasolina, que possui 27% de etanol anidro em sua mistura. Além disso, é necessário cobrir o valor pago na distribuidora.

Todos esses fatores sofrem influências internas e externas, que podem fazer com que o preço do combustível varie de um dia para o outro. Desse modo, a margem de lucro por litro de combustível vendido gira em torno de 10%.

“Se eu invisto R$ 40 mil para comprar 20 mil litros de combustível, eu não tenho a certeza que eu vou receber esse dinheiro no fim do mês. Muitos clientes pagam no cartão de crédito, o que faz com que a gente receba só no mês seguinte”, comenta Fernando Rocca, presidente do Núcleo Postos de Ribeirão Preto.

O presidente acrescenta que conseguir crédito extra em bancos para suprir as necessidades do mês também sai caro, o que cria um dilema para os proprietários de postos. “Tem muita gente que, dessa forma, contrai uma dívida de R$ 100 mil e nem percebe”, acrescenta.

Renê Abad, vice-presidente da Bráscombustíveis, também compartilha das queixas de Rocca. “Nossa margem de lucro é baixa. Os donos de posto vivem das lojas de conveniência”, comenta.

Concorrência

Abad explica que os postos de combustíveis dentro das cidades vendem, em média, uma relação de 75% etanol e 25% gasolina, o que diminui a margem de lucro. Além disso, postos em rodovias e estradas tendem a vender combustíveis mais baratos, porque compensam a margem com o lucro do diesel.

Outro tipo de concorrência que vem pressionando os donos de postos é a feita pelas grandes redes de supermercados, que possuem suas próprias bombas. “O negócio deles não é vender combustível, é trazer freguês para dentro do mercado”, diz Rocca.

Para o presidente do Núcleo de Postos, esses estabelecimentos vendem combustível com valores abaixo do custo de produção o que, segundo Rocca, caracteriza prática de dumping. Esta prática consiste em vender um produto com um preço muito reduzido, de modo que prejudique outras empresas do ramo.

Segundo o economista da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP, Luciano Nakabashi para ser caracterizado como dumping, os supermercados deveriam vender o combustível com um preço abaixo do custo por um longo período, não apenas promoções esporádicas.

“Os postos de supermercados vendem a um preço menor para expulsar os concorrentes. Isso acontece somente por um período de tempo, se não a empresa terá que operar com prejuízo no longo prazo”, explica Nakabashi.

Verticalização – Ainda sobre concorrência, outra prática criticada pelos empresários é a da verticalização. Diferente do dumping, a verticalização já recebeu o aval do diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone. A ação consiste na aquisição de postos por distribuidoras de combustíveis.

Segundo o diretor geral da Rede Sewal, Adolfo Silveira de Oliveira Neto, a prática deveria ser proibida, pois cria uma concorrência desleal no mercado. “Distribuidoras não deveriam operar postos, elas tem um poder econômico muito maior do que os varejistas”, argumenta. Diversas associações de varejistas do mercado de combustíveis criticaram a medida de Oddone. Em nota publicada no dia 2 de abril, a Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e Lubrificantes (Fecombustíveis) classificou como “uma aventura irresponsável” a atitude do presidente da ANP. Segundo a Federação, a ANP não aprofundou a discussão do tema com as entidades do segmento.

Aparentemente igual

Além da concorrência entre os postos que buscam maneiras de se sobressair no mercado, existe a concorrência com empresas que atuam de maneira ilegal, vendendo combustível adulterado ou burlando o fisco.

“Isso reduz o custo operacional desses estabelecimentos que conseguem vender o combustível na bomba com redução de até 20% no valor. E, se quem vende de maneira legal, tenta acompanhar esse preço para atrair os clientes, cria um efeito dominó na cidade inteira, reduzindo drasticamente as margens”, explica Abad.

Para se ter uma noção do tamanho do problema, a Fecombustíveis estima que sonegação de impostos chega a R$ 4,8 bilhões por ano no setor. O diretor da Rede Sewal denuncia que muitos postos ilegais são verdadeiras redes do crime organizado, com bens em nomes de laranjas e esquemas elaborados para burlar o pagamento de impostos.

“O poder público deveria fiscalizar mais esse mercado. Ele gera mais de dois mil empregos para Ribeirão Preto e agora se encontra em colapso total”, afirma Oliveira Neto.

Para o economista Luciano Nakabashi, um dos fatores que explicam esse fenômeno pode ser o fato de que, aparentemente, o mercado de combustíveis vende um produto homogêneo. “É difícil para o consumidor diferenciar a qualidade do combustível. Essa característica ajuda no processo de formação de cartéis ou de conluio entre postos”, observa.

O economista também argumenta que elevações artificiais no preço dos combustíveis tendem, em um primeiro momento, a gerar mais lucro para os proprietários. Por outro lado, os rendimentos vantajosos irão atrair cada vez mais pessoas para esse nicho de mercado, o que aumentaria a oferta, mesmo sem uma elevação natural na demanda.

Para ilustrar, em dezembro de 2015, Ribeirão Preto possuía 166 postos. Em três anos, o mercado cresceu 14%, mesmo durante a crise que reduziu o poder de compra dos brasileiros. Como consequência, o mercado iria se “auto regular”, com o fechamento de diversos estabelecimentos até que a oferta e a demanda se equilibrem.

 

Impactos além das bombas

Em média, um posto de combustíveis, em pleno funcionamento, emprega entre 20 e 25 pessoas. Com 22 postos de combustíveis fechados na cidade, aproximadamente 500 pessoas perderam os empregos.

Segundo o Sindicato dos Frentistas de Ribeirão Preto, o salário de frentistas e caixas de loja de conveniência varia de R$ 1,5 mil a R$ 2,2 mil, dependendo do horário de trabalho. Com esses números, o presidente do Núcleo Postos estima que, somente com o fechamento dos 22 postos, deixam de circular por mês em Ribeirão Preto cerca de R$ 1 milhão.

À reportagem, o Sindicato confirmou que muitos postos são obrigados a reduzirem as margens para se manterem competitivos. Além disso, afirmou que acompanha as demissões e presta apoio aos funcionários que não tiveram todos os direitos honrados pelo empregador.

Fonte: Revide  

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