Embora o transporte de carga no país tenha sofrido pouco os efeitos da pandemia, o caminhoneiro autônomo Sandro Oliveira, no ramo há 20 anos, diz que os últimos meses têm apresentado melhores oportunidades para a categoria.
“Agora, além de termos mais cargas para levar, começamos a poder escolher de novo entre trabalhos que levam o dia inteiro para descarregar e os que são mais rápidos”, diz.
O poder de decisão comemorado por Oliveira é resultado de uma explosão na demanda pelo transporte de cargas no país em um período que concentrou a retomada da produção industrial e a logística de entregas para o Natal.
Cenário impulsionado também pela mudança de hábitos do consumidor, que aderiu de vez ao comércio online e ampliou os gastos em produtos do lar.
Os dados mais recentes divulgados pela ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias) indicam que, em outubro, o movimento de veículos pesados em rodovias concedidas no país foi 0,8% superior ao mesmo período de 2019 –no mesmo mês o movimento de veículos leves, como carros de passeio, por exemplo, recuou 3,9%. No ano, porém, o fluxo de veículos pesados ainda é negativo, em 1,8%.
“Teve um primeiro momento com queda muito forte em alguns setores da indústria, como o ramo automobilístico, que parou a operação em toda a cadeia. Mas o setor agrícola continuou andando, com o transporte da safra, de alimentos, bebidas e higiene e limpeza“, diz o presidente da transportadora JSL, Fernando Antônio Simões.“E, depois desse período, principalmente nos últimos três meses, a gente vê um volume muito mais acentuado.”
A alta demanda tem impulsionado negócios não só de transportadoras e caminhoneiros, mas também da cadeia que gira em torno do setor. As vendas de óleo diesel superaram em setembro o volume vendido no mesmo mês de 2019.
“Postos de rodovia não tiveram queda [de vendas] nem perto do que a gente teve nos postos urbanos”, afirma Paulo Miranda, presidente da Fecombustíveis, a federação que representa o setor.
A média mensal de licenciamento de novos caminhões é hoje a segunda melhor desde a crise de 2014 e já há fila de espera: um novo pedido leva de 3 a 6 meses para chegar, dependendo do modelo.
Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), a paralisação das atividades no pico da pandemia gerou uma desorganização dos estoques do setor.
Para o Setcesp (Sindicato das Empresas de Transporte de Carga de São Paulo e Região), até motorista está em falta. A escassez de profissionais era um problema antes da crise de 2014, mas foi esquecida com a queda na demanda. Em pesquisa feita em setembro, 81% das transportadoras entrevistadas pela entidade disseram sentir o problema. Dessas, 73% já pararam algum veículo por falta de profissionais.
Mas, embora a elevada demanda tenha mantido os fretes em patamares elevados e o preço do diesel acumule queda de 26,1% no ano, os caminhoneiros, principalmente os autônomos (aqueles que não estão vinculados a transportadoras), ainda reclamam da baixa rentabilidade do negócio e cobram promessas dos tempos da greve que paralisou o país por duas semanas em 2018. “Ainda falta dar uma melhorada. Hoje, por exemplo, eu ainda ganho cerca de 20% a 25% a menos do que ganhava antes do coronavírus“, afirma Oliveira.
“Ninguém mais cumpre o aumento do frete conforme foi exigido porque o governo parou a fiscalização. Querendo ou não, a combinação desse cenário acaba afetando o final do mês”, reforça Alcione Perin Silva, 43, também na estrada há 20 anos.
O aumento no custo de peças é outro ponto de reclamação. “Se quebra o caminhão e não tem caixa dois, está lascado. Qualquer peça é R$ 1.000. Nada é barato“, diz Izaias da Silva Nascimento, 71, 38 deles como caminhoneiro.
Segundo estimativas de Simões, da JSL, o preço dos pneus, por exemplo, subiu entre 15% a 20% nos últimos meses. A alta também reflete a desorganização das cadeias produtivas durante a pandemia.
Uma das lideranças da paralisação de 2018, o caminhoneiro Wallace Landim, conhecido como Chorão, reclama da falta de apoio do governo à categoria. Hoje presidente da Abrava (Associação Brasileira de Veículos Automotores), ele diz que a categoria conquistou benefícios no movimento, como a não cobrança por eixos suspensos, mas que outras promessas não deram resultado, como a liberação de recursos para manutenção nos caminhões.
“Ninguém conseguiu pegar dinheiro no banco”, afirma.
A categoria está preocupada ainda com o projeto BR do Mar, que incentiva a navegação de cabotagem, ao prever, para o combustível de navegação, os mesmos subsídios tributários que os caminhoneiros pleiteiam para o diesel.