Dados indicam que sim, mas analistas não veem motivo para pânico (ainda)

Controle de preços e greve de caminhoneiros mostram que fantasmas da ingerência política voltaram; como solucionar a atual encruzilhada da Petrobras?

As ações da Petrobras vinham subindo embaladas pela recuperação dos preços do petróleo, diante do avanço das vacinações e da expectativa de reabertura das economias. Mas após dez pregões seguidos de alta, os papéis tombaram 6,33% em três sessões no começo da última semana. As explicações para a reversão soam familiares para os investidores de longa data: controle de preços com suspeitas de motivações políticas e ameaça de greve dos caminhoneiros.

Será que os fantasmas de ingerência do passado voltaram a rondar a petroleira?

Tudo começou com a reclamação da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), que, na primeira semana do ano, protocolou no Cade, órgão de defesa da concorrência, um ofício alegando que a Petrobras estaria segurando os preços dos combustíveis, ao mantê-los abaixo da paridade internacional, em uma prática predatória. Poucos dias depois, notícias começaram a circular sobre uma possível nova greve de caminhoneiros.

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Para Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), o represamento de preços não deixa dúvidas: “Que está defasado está, ponto. A discussão é o quanto”, diz o especialista, que é uma das maiores referências do país quando o assunto é petróleo. E o fato de as notícias sobre greve e controle de preços surgirem juntas não é coincidência, segundo ele. Ambas as reivindicações decorrem do fato de que a cotação do petróleo está subindo.

 

Petrobras e importadoras: modo de operação

Segundo a Abicom, a Petrobras é, de longe, a maior produtora de derivados do petróleo do país – 14 das 17 refinarias brasileiras são da empresa. Enquanto isso, o país conta também com 392 agentes de importação de derivados do petróleo.

Como produtora, a Petrobras define o preço de venda para cada barril de petróleo no país com base em custos de produção e de distribuição e em impostos associados.

Já importadores compram de acordo com a cotação internacional. Os preços futuros do petróleo do tipo Brent, referência para a Petrobras, estão cotados em US$ 54,78 o barril às 09h43 desta segunda-feira (18).

Para manter sua saúde financeira e não afastar investidores, a estatal deveria também se pautar pelos preços internacionais, mas a maneira como isso é feito (ou não é feito) pode gerar polêmicas (leia mais abaixo).

1ª incerteza: represamento de preços

Se os cálculos da Abicom estiverem corretos, o litro da gasolina estaria com uma defasagem de R$ 0,39 em relação à paridade internacional e o diesel, de R$ 0,34, segundo os dados enviados pela entidade ao InfoMoney na última sexta-feira (15).

“Ao vender com defasagem, a Petrobras está deliberadamente reduzindo as receitas da empresa e prejudicando o acionista. Por isso, seria importante vender refinarias e ter agentes privados no mercado vendendo gasolina e diesel, porque aí o player privado tende a seguir o mercado internacional”, opina o fundador do CBIE.

Para analistas ouvidos anteriormente pelo InfoMoney, apesar da eventual volatilidade de curto prazo relacionada à pandemia de Covid-19, a visão é de alta para os preços de petróleo no médio e longo prazo, conforme avancem vacinações ao redor do mundo e economias retomem suas atividades. A previsão é que os preços de petróleo Brent fiquem no patamar de US$ 55 a US$ 60 o barril no médio prazo (seis a 12 meses).

Pires, do CBIE, tem uma expectativa até mais ousada e acredita que o barril pode chegar a algo em torno de US$ 65 a US$ 70 no segundo semestre.

Em comunicado de outubro de 2020, a Abicom já afirmava que “os preços dos combustíveis líquidos comercializados pela Petrobras (…) continuam abaixo da paridade internacional”. “Em outras palavras, no contexto concorrencial do mercado de comercialização de combustíveis, o preço praticado pela Petrobras inviabiliza economicamente as importações e, consequentemente, no médio prazo, pode resultar na saída dos únicos concorrentes do mercado”, escreveu a Abicom. Também ressaltou que a estatal brasileira detém 98% da capacidade de refino.

Os derivados de petróleo produzidos ou importados são distribuídos e chegam aos postos de combustíveis, por exemplo, que comercializam diesel e gasolina aos consumidores finais.

No final de 2020, a Petrobras anunciou aumento de 5% no preço médio da gasolina nas refinarias. Para o diesel, a alta foi de 4%. Segundo a estatal, o preço médio da gasolina para as distribuidoras passou a ser de R$ 1,84 o litro, uma elevação de R$ 0,09. Porém, no acumulado do ano, o preço teve redução de 4,1%. Uma história parecida acontece com o diesel: o preço médio para as distribuidoras ficou em R$ 2,02 por litro, aumento de R$ 0,08. Mas a queda no acumulado de 2020 foi de 13,2%.

Em resposta ao ofício protocolado pela Abicom no Cade, Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras, disse nesta quarta-feira (13), ao jornal Valor Econômico que os cálculos dos importadores não refletem os custos da estatal.

“Para eles, o melhor dos mundos é que a Petrobras coloque os preços lá em cima, acima do preço de paridade internacional. Aí viabiliza quem é mais ineficiente”, defendeu Castello Branco.

Ele também negou que a estatal esteja segurando reajustes e disse considerar insinuações nesse sentido uma “ofensa profissional” e ele e à equipe econômica do governo. “O controle de preços foi remetido ao museu de armas ineficazes no combate à inflação.”

Segundo cálculos do BTG, porém, a Petrobras estaria vendendo gasolina no mercado doméstico a preços 21% inferiores à paridade de importação, enquanto o diesel estaria com desconto de 14%. Já segundo relatório do Bradesco BBI, a estatal comercializa o diesel a um preço 13% menor do que o visto nos mercados internacionais. A porcentagem de desconto estaria acima dos dois dígitos desde 5 de janeiro.

Reajuste diário de acordo com o preço internacional?

“Não estamos comprometidos em cometer o erro de ficar reajustando diariamente. Para estar em linha com a paridade internacional, precisaria ficar colocando um robozinho de olho na cotação internacional reajustando toda hora. Isso não é bom. A experiência mostrou que isso deu confusão, e não vamos fazer. A Petrobras é um produtor de combustíveis, não é um trader de combustíveis”, afirmou Castello Branco ao Valor Econômico. Parte da defasagem apontada por Abicom, BTG e Bradesco BBI poderia vir da decisão da Petrobras de não realizar reajustes diários.

O argumento de Castello Branco faz sentido. Por outro lado, especialistas também dizem que um descompasso total em relação à cotação internacional pode ser prejudicial para a saúde financeira da empresa e também para a competitividade do mercado.

As práticas internacionais reconhecidamente bem-sucedidas mostram que interferências extremas não costumam funcionar. Países como Estados Unidos e Noruega, que são referências em políticas para a indústria, adotam respectivamente um modelo de proteção apenas contra grandes variações e um modelo de completo livre mercado.

Para fugir das grandes variações, os Estados Unidos exigem que as empresas mantenham um estoque de petróleo para fugir de grandes variações na commodity.

A Reserva Estratégica de Petróleo dos Estados Unidos tem mais de 714 milhões de barris, segundo o governo americano. Já a Statoil, estatal norueguesa para a produção de petróleo, segue a cotação diária dos mercados internacionais.

2ª incerteza: nova greve de caminhoneiros

Outro alerta para os investidores nas ações da Petrobras é uma potencial greve nacional dos caminhoneiros autônomos, marcada para o dia 1º de fevereiro. Reclamações contra a política de preços de combustíveis estão entre as pautas dos profissionais.

“O que você está achando, meu irmão? O senhor tem condições de rodar com seu caminhão nesse país, com combustível caro, insumo caro, tudo aumenta, tudo sobre e o frete está uma desgraceira”, afirmou Plínio Dias, presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC), em grupo de WhatsApp.

A XP Investimentos destacou nesta semana que órgãos como o Ministério da Infraestrutura e a Confederação Nacional dos Transportes não identificaram grande risco de greve geral no próximo mês. Mas tanto as notícias da reclamação no Cade quanto a da greve dos caminhoneiros resgatam a lembrança de um dos períodos mais difíceis da história da Petrobras.

Em maio de 2018, caminhoneiros convocaram uma greve diante do descontentamento com a alta dos preços do diesel promovida pela companhia. Na época, a empresa realizava reajustes diários nos preços da gasolina e diesel enquanto os preços de petróleo subiam rapidamente, atingindo patamares de US$ 75 a US$ 80 por cada barril Brent. Na ocasião, a greve levou à renúncia do renomado CEO da Petrobras, Pedro Parente, bem como à implementação de uma política de subsídios para os preços de diesel. A percepção de risco para as ações disparou na época, tendo caído 32% em apenas 7 dias após o início da greve.

Em uma possível nova greve dos caminhoneiros, porém, o quadro não deve ser o mesmo. Desde que a atual diretoria da Petrobras assumiu, em 2019, a Petrobras parou de praticar reajustes diários nos preços dos combustíveis. “Em um período com pressão no câmbio e nos preços de petróleo, somado às ameaças de caminhoneiros, acreditamos que a frequência de reajustes da Petrobras pode ser menor”, afirma o Bradesco BBI.

“Nossa visão é de que (…) a Petrobras passará gradativamente a reajustar os preços do diesel, de forma que não prejudique os contratos de frete no futuro imediato”, apontaram Bruno Montanari e Guilherme Levy, analistas do Morgan Stanley. Eles ressaltam que a empresa está muito melhor preparada para lidar com a volatilidade do mercado, destacando que a Petrobras já domina sua política de preços há algum tempo.

Evandro Buccini, diretor de Renda Fixa e Multimercado da Rio Bravo Investimentos, também descarta o risco de uma greve parecida com a de 2018. “Esperamos monitoramento e respostas mais prontas do que lá, até porque, como já aconteceu antes, o governo está mais preparado”, diz. “Mas com o diesel e a gasolina descontados sobre preços internacionais, não parece ter espaço para queda nos próximos meses, então esses preços altos vão ser um fantasma rondando a Petrobras”, completa.

Acionistas em alerta para intervenções

As duas incertezas estão relacionadas: a elevação de preços, dando fim a um suposto represamento, poderia tornar o cenário mais propício para uma nova greve dos caminhoneiros. Assim, o governo poderia realizar intervenções na forma de concessão de subsídios ou redução de impostos.

No começo de seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro retomou o compromisso de não interferir nos preços de combustíveis. Em abril de 2019, porém, a Petrobras voltou atrás horas depois de anunciar um aumento no preço do diesel, após o presidente intervir e vetar o reajuste. Com uma queda não vista desde a demissão de Pedro Parente, no auge da greve dos caminhoneiros de 2018, a Petrobras perdeu R$ 32,399 bilhões de valor de mercado no dia 12 de abril de 2019.

Desde então, ao sentir a reação do mercado ao mínimo sinal de interferência, Bolsonaro buscou evitar o assunto, até a live desta última quinta-feira. Na transmissão, Bolsonaro anunciou o fim da tarifa de importação de pneus, medida que interessa aos caminhoneiros. Ele disse também ter conversado durante toda a semana com os ministros de Minas e Energia, Bento Albuquerque, da Economia, Paulo Guedes, e da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, a respeito do preço dos combustíveis e do gás de cozinha.

Bolsonaro disse que o botijão de cozinha sai da refinaria a um custo de 38 reais, mas chega na “ponta da linha” a R$ 80 em média, sendo que há lugares com o valor de R$ 100.

Pires havia dito que não acreditava que o presidente fosse interferir na política de preços da Petrobras, mas ao ser confrontado com as informações sobre a última live, mudou de ideia. “É, ao se reunir com o Bento e o Tarcísio e com essa fala sobre o botijão de gás, ele deu a dica. Se for escolher entre ceder à pressão dos caminhoneiros ou ouvir o mercado, ele vai segurar o combustível.

Por outro lado, os analistas do Morgan Stanley não acreditam que o programa de subsídios implementado pelo governo em 2018 seria reativado, levando em consideração a atual situação fiscal do país. Da mesma forma, não acreditam que a equipe de gestão da Petrobras de hoje assumiria sozinha um subsídio prolongado.

Analistas da XP apontam que o mercado pode ter reagido de forma exagerada às últimas notícias. Embora os preços da gasolina e diesel da Petrobras estejam abaixo das referências internacionais hoje, isso só aconteceu nos últimos seis dias.

O presidente da Petrobras também minimizou as reações dos acionistas. “Eles estão preocupados, reclamando que estamos segurando os preços, e o preço da nossa ação bateu no high [maior valor] em 12 meses [na sexta-feira, 8, quando bateu os R$ 31,12]. O pessoal continua a comprar ações e acha que estamos fazendo bobagem. Ou são investidores irracionais, ou querem jogar conversa fora.”

Buccini, da Rio Bravo, diz que, por enquanto, prefere dar o benefício da dúvida ao presidente da Petrobras. “O petróleo está extremamente volátil, o dólar também, então a política da Petrobras de não repercutir tanto os preços tem seus méritos e foi feita de forma mais ou menos previsível. Ainda não dá para dizer que a política de reajuste de acordo com o preço internacional foi abandonada”, diz.

Mas o mercado seguirá monitorando. “Vamos esperar uns dias para ver se a Petrobras vai dar um reajuste relevante no diesel e gasolina. Se nada acontecer, teremos sinais fortes de que algo mudou e não foi comunicado”, diz Buccini.

Fonte: Infomoney.com.br


 

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